A imagem é de um homem difícil. Tão difícil como lhe adivinhar o nome completo: Aloysius Paulus Maria van Gaal. Rivaldo concordará com aquela ideia, mas vários dos que jogaram para o holandês admitem não ser bem assim. Para esses, é tido como um homem sério e honesto. E um treinador cuja filosofia vale a pena seguir. Professor de educação física, Van Gaal prepara-se para ser o novo «sir» (porque a coroa holandesa lhe deu esse mesmo título) do Manchester United, ao mesmo tempo que guia a Holanda para o Mundial 2014. A MF Total segue-lhe as pistas, de métodos e personalidade, para desvendar como vai o «professor» encarar os desafios que terá em Old Trafford. 

Van Gaal com José Mourinho e Vítor Baía

 

«Saí porque alguns jogadores se recusaram a aceitar os meus métodos. Sou o que sou e tenho a minha maneira de ser. Não vou mudar e não tenho desejo de mudar.»

Aquela frase, numa entrevista à FIFA quando orientava o AZ Alkmaar, refere-se à saída da seleção holandesa em 2002, quando falhou o acesso ao Campeonato do Mundo. Van Gaal é um maníaco do coletivo, o que se repercute nos métodos de treino da equipa principal e da formação. Algo que, por exemplo, o fez entrar em conflito com Johan Cruyff, um crente na filosofia de Rinus Michels de que o treino deve ser individualizado a todos os níveis. 

Van Gaal é tido como alguém direto e disciplinador: por isso é amado por uns e odiado por outros: aqui num treino do Barça em que expulsa Oscar



Os métodos de David Moyes no Manchester United foram mal aceites por vários jogadores, com o capitão da seleção que Van Gaal orienta à cabeça: Robin van Persie. Quando chegar a Old Trafford, o técnico holandês contará com o apoio de um dos futebolistas mais influentes da equipa neste aspeto.

Nos últimos anos de United, Alex Ferguson contou com Rene Meulensteen, um adjunto holandês, seguidor do desenvolvimento do 1x1 em campo. O desafio de Van Gaal é, portanto, convencer aqueles que ficam desse tempo, e que sempre mostraram apreço por Meulensteen, de que este método é melhor.

Os miúdos de Barcelona, Munique e Manchester

Não foi à toa que uma das primeiras iniciativas de Van Gaal foi falar com Ryan Giggs. Historicamente, em tempos de crise o Manchester United adotou quase sempre a mesma estratégia: virou-se para a formação. A despedida do galês de Old Trafford, como jogador, foi simbólica nesse sentido.

«Quando chego a um clube novo, quero sempre comigo alguém do staff anterior. No Bayern essa pessoa era Herman Kerland, que ainda trabalha com Pep Guardiola. Queria saber quem estava a destacar-se na formação do clube e foi ele que me disse: "Müller, Badstuber e Alaba". Deixei-os treinar com a primeira equipa, observei-os e depois decidi onde deviam jogar.»

Caso aceite trabalhar com o holandês, Giggs deverá ser esse homem. Van Gaal terá, assim, a responsabilidade de retirar o melhor da formação e fazer crescer nomes como o já mediático Januzaj, mas também James Wilson e Thomas Lawrence, aqueles que partem na linha da frente para chegar ao onze. É bom lembrar, aliás, que, para além do último Ajax campeão europeu, Van Gaal lançou vários jovens quando esteve no Barcelona. Valdés reconheceu-o, por exemplo

Van Persie e Rooney: um deles será capitão do ManUtd?        


Obviamente, o Manchester United vai mexer-se no mercado. Um grande desafio, não só para o treinador como para o próprio clube. Para além das já anunciadas saídas de Giggs, Ferdinand e Vidic, outras deverão seguir-se. Quanto a compras, atenção ao que disse o holandês na mesma entrevista à FIFA.

«De todos os que treinei que jogador destaco? Nenhum. Os jogadores não contam para nada, a equipa é tudo. Guardo mais o caráter de um jogador do que as qualidades em campo e, em particular, se ele tem a capacidade para dar tudo pela causa. Há muitos jogadores talentosos que não têm o caráter ou a personalidade para se enquadrarem nos meus métodos.»

Um claro exemplo disto foi o que aconteceu com Rivaldo. Eis o holandês, na segunda passagem por Barcelona e depois de dar guia de marcha ao brasileiro: «Eu gostava do Rivaldo antes dele vencer a Bola de Ouro de 1999. Eu adorava esse Rivaldo. Gostava dele porque ele era o melhor […]. Gostava do Rivaldo que tinha entusiasmo e empenho. Agora já mostrou que não tem qualquer vontade.»

O traço de personalidade de Mourinho e Guardiola e o desafio maior

Van Gaal não o esconde, pelo contrário. Faz disso ponto de honra. Ou estão com ele, ou estão contra ele. E é direto. Já o admitiu, foi isso que o fez ficar com José Mourinho em Barcelona, porque reconheceu esse traço de personalidade no português.

A mesma faceta procura nos jogadores. Para Louis van Gaal, a braçadeira é algo de sagrado, é essencial para a liderança que implementa no balneário.

«Eu escolho o capitão. Tenho de admirar o jogador também pela sua personalidade, a sua identidade. Os meus capitães são muito profissionais, mas também ambiciosos e honestos. Essas qualidades veem-se naqueles que escolhi. A idade não importa. Quando cheguei a Barcelona, Guardiola tinha 27 anos. Em Espanha, a tradição é que a braçadeira seja para o mais velho. Mas eu quis passar-lhe responsabilidade e a minha filosofia. Disse a Pep: “Tens de ser o meu capitão.” Ele retorquiu: “Não, não.” Eu argumentei: “Eu escolho o capitão e tu percebes o jogo como eu.” Foi por isso que o fiz meu capitão. Podem ver o que ele é agora.»

Sem Giggs, Ferdinand e Vidic, Van Gaal vai ter de descobrir novos líderes. Moyes queria fazer Rooney capitão, Van Persie usa a braçadeira na Holanda…

Por fim, o desafio maior. Van Gaal assume-se como um treinador de «processo», ou seja, um que necessita de tempo até a equipa jogar como quer, o que muitas vezes só consegue a partir do segundo ano. 

O holandês nunca teve uma boa relação com a imprensa: seja na Holanda, Espanha ou Alemanha: aqui na Catalunha, a falar sobre Rivaldo  



Normalmente, os resultados iniciais não são bons. Aliás, isso sucedeu mesmo no primeiro ano no Bayern Munique, em que foi campeão, vencedor da Taça da Alemanha e finalista da Champions (na Bundesliga só venceu à quarta jornada, na Liga dos Campeões esteve prestes a ser eliminado na fase de grupos após derrotas com o Bordéus - venceu 4-1 em Turim e qualificou-se).

A dimensão do Manchester United aliada à urgência de vitórias pelo passado recente podem aumentar a pressão. Em conjunto com a imagem negativa de Van Gaal junto da imprensa, que já resultou em confrontos nada simpáticos, o grande desafio do holandês é conciliar feitio com possíveis críticas. 

Se o conseguir, muito provavelmente ganhará o tempo necessário para ter aprovação de clube, imprensa e adeptos e, desse modo, tentar ser campeão, tal como aconteceu em todos os outros emblemas que orientou: Ajax, Barcelona, AZ Alkmaar e Bayern.