A viagem pelos «Lugares Incomuns» do futebol internacional - para ler aos domingos no Maisfutebol – inicia hoje a sua rota na Turquia.  Foi na capital Ancara, a cidade que ainda há dois meses esteve nas bocas do mundo devido a um golpe militar, que o Osmanlispor recebeu e venceu o Steaua Bucareste, por 2-0, na sua estreia na fase de grupos da Liga Europa. O mesmo golpe militar que levou o guarda-redes Artur Moraes (ex-Benfica) a afirmar que teriam de «batalhar muito» (sim, talvez a metáfora usada pelo brasileiro não tenha sido a mais adequada) para o tirar de casa. Mais de 60 dias volvidos, o guardião continua sem jogar.

Um elenco familiar

Olhando para o plantel turco, desde logo saltam à vista outros nomes conhecidos como Pierre Webó e Adam Maher. Se o primeiro, aos 34 anos, caminha naturalmente para o final de uma carreira que teve no campeonato espanhol o seu ponto mais alto, entre Osasuna e Maiorca, já o segundo procura definir um novo rumo para a sua. O internacional holandês é um dos maiores talentos provenientes da formação do Alkmaar, mas aos 23 anos tarda em cumprir os voos que lhe foram traçados e em dar o salto para um campeonato mais competitivo. Rusescu (ex-Braga), é o nome mais familiar (depois de Artur) para os adeptos portugueses e um suplente de luxo desta formação. Com tanto golo nos pés, capacidade de se mover e tabelar, dá sempre para pensar que poderia ter jogado durante mais tempo em equipas que (pelo menos) ultrapassem frequentemente a fase de grupos da competição secundária de clubes do futebol europeu.

No jardim zoológico de Ancara...

É num 4x2x3x1 organizadamente desorganizado que o técnico Mustafa Akcay procura corrigir a época de estreia, onde só venceu 14 dos 34 jogos que disputou. Para já, as 7 vitórias em 10 jogos mostram o crescimento enquanto equipa, muito pela melhoria no processo ofensivo, sem que seja totalmente sustentado. Os seus alicerces, juntando os momentos de organização e transição defensivos, continuam frágeis (fazendo lembrar a Bélgica do Euro 2016: duas equipas dentro da própria equipa, separadas por muitos metros) e a tremer facilmente perante equipas teoricamente do seu nível, como exploraram superiormente os romenos enquanto o jogo se disputou onze contra onze. A organização está expressa numa estrutura bem vincada (por vezes até de mais) e dando a ideia de que os jogadores interiorizam os príncipios do seu treinador, mas deixam que a desorganização surja da mentalidade com que encaram o jogo, constantemente com o coração na boca, conforme os estímulos e os impulsos que cada período do jogo lhes traz motivacionalmente, levando a que corra tudo bem ou... tudo mal. Num ápice.

Embora estrategicamente haja a ideia de pressionar colectivamente em locais do meio campo adversário, a diversidade de «espécies» condiciona a perceção conjunta de quando, onde e como o fazer, um desequilíbrio de «tipos de futebol» que prejudica a equipa nesse capítulo, mas que a beneficia quando se trata de atacar. Nessa altura aparecem os desequilíbrios positivos fruto da capacidade de aceleração de várias individualidades, entre as quais destacam-se os médios alas Aminu Umar (um menino nigeriano com talento para mais) e Regattin , as incursões ofensivas dos laterais (já lá vamos) e a facilidade com que o médio mais ofensivo do corredor central (Papa Ndiaye) junta ao ponta de lança para aparecerem duas referências dentro da grande área.

... brilha um peixe e desperta curiosidade um flamingo

O português Tiago Pinto é por estes dias mais do que uma estrela da equipa, a estrela da equipa. Escolhido esta semana como o melhor lateral esquerdo da jornada na Liga Europa, vai acumulando extraordinárias exibições umas após as outras. É ele quem dinamiza grande parte das acções de ataque do conjunto turco, não raras as vezes pelo corredor central (estratégia ou atrevimento indívidual?), uma metamorfose que leva mesmo a questionar, em alguns períodos do jogo, se estamos a ver o filho ou o pai João Vieira Pinto a passear com elegância a sua camisola com o número 8: a prova que filho de peixe sabe nadar. Pelo corredor lateral, corre (muito e bem), dribla, cruza e tenta várias vezes o remate. Quando não o consegue no jogo corrido, aproveita as bolas paradas pelas quais é responsável. A defender (numa linha posicional de 4 e num bloco médio-alto), não parece tão dotado, o que leva a pensar se não terá sido mal aproveitado em Portugal, pelo menos pelo que vai mostrando na Turquia. O lateral que cumpre e não compromete, poderia ter dado um médio ala que chegasse a outros palcos.

Aos 28 anos, provavelmente já não o saberá. Ofuscado esteticamente por um colega de equipa da mesma idade, o avançado recém-contratado Cheick Diabaté, um maliano impossível de não destacar na formação turca: pelo rendimento que se espera na sua época de estreia (após seis temporadas em crescendo no Bordéus) e principalmente pelo... estilo. Com 194 centímetros desproporcionais e um tronco colocado em cima de umas pernas que se assemelham às de um flamingo, consegue ainda assim ter uma qualidade técnica e de controlo de bola impressionante (embora, naturalmente, pouco ágil) que leva gáudio às bancadas e vende golos à sua equipa (certamente bastante bem pagos) como o que apontou logo na estreia a titular. Mais do que tudo o que se possa dizer, o melhor mesmo será ver o jogador em acção (e são muitos os vídeos disponíveis no Youtube) com o seu estilo inconfundível. O ponto mais estranho do estranho Osmanlispor.