Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.
Está no ADN de um campeão querer sempre mais, estabelecer objetivos cada vez mais ambiciosos, arriscar para chegar mais longe e mais alto. E o patinador Diogo Marreiros é um bom exemplo disso.
O atleta algarvio está já ao mais alto nível em termos nacionais, europeus e mundiais na patinagem de velocidade sobre rodas, já inscreveu o seu nome na história da modalidade em Portugal, mas ainda queria mais, nem que para isso tivesse de mudar radicalmente. Com o objetivo de estar nos Jogos Olímpicos de Inverno de 2022, Diogo Marreiros trocou as rodas pelas lâminas, trocou o inverno ameno de Lagos pelo frio da Holanda e apostou todas as fichas no gelo para tentar ser o primeiro atleta nascido em Portugal a competir nos Jogos de Inverno.
Em entrevista ao Maisfutebol, Diogo Marreiros fala do percurso na patinagem, conta como foi esta mudança para uma modalidade que admite ter pouco em comum com a que pratica há quase 25 anos, e fala sobre os obstáculos burocráticos que ainda tem pelo caminho nesta luta pelo sonho Olímpico.
Começamos pelo início. Diogo Marreiros tinha quatro anos quando os pais o inscreveram na patinagem na escola que ficava ao lado do local de trabalho da mãe.
«Comecei a ir espreitar os treinos e um dia quis experimentar. Nunca tinha calçado uns patins, mas fiquei logo apaixonado», garante-nos o patinador algarvio de 28 anos.
Ao longo dos anos ainda experimentou outros desportos. «Hóquei, futebol, andebol… experimentei tudo e até tinha jeito, mas acabei sempre por voltar à patinagem porque era a modalidade onde me sentia melhor e onde estavam todos os meus amigos», explica. Estava, portanto, o destino traçado. Diogo «só não fazia ideia de até onde poderia chegar.»
E, nestes 24 anos, já chegou bastante longe. Começou a fazer as primeiras provas aos seis, nos escalões infantis, e foi crescendo e evoluindo.
Nas camadas jovens, fazia história. «Em cadetes consegui a primeira medalha de um atleta masculino português em campeonatos da Europa e em 2008 fui Campeão da Europa de juniores.»
Depois veio um período em que ficou mais dividido, quando foi para a universidade em Lisboa. «Era mais difícil conciliar os treinos com a universidade. Não sabia bem que direção queria tomar: se mais os estudos ou mais a patinagem», conta o atleta do Roller Lagos.
«Quando terminei a universidade, em 2014, decidi dedicar-me um ano a tempo inteiro só a evoluir na patinagem e a ver como corria. E a partir daí voltei a conquistar medalhas já no escalão de seniores. Com o Martyn Dias e o Ricardo Esteves, conseguimos uma medalha de bronze na estafeta no Campeonato da Europa e depois outra medalha de bronze no Campeonato do Mundo também na estafeta.»
Em 2016, tornou-se no primeiro atleta português de patinagem de velocidade sobre rodas a conquistar uma medalha a título individual num Campeonato do Mundo de Seniores, ao conseguir o bronze em Nanjing, na China.
«Essa medalha foi muito importante porque, a partir daí, deu-se mais ou menos o click. Comecei a ter mais apoios, a minha motivação também cresceu, houve uma evolução muito grande e comecei a conquistar medalhas quase sempre que ia aos Europeus: em 2017 conquistei uma, em 2018 conquistei cinco e conquistei ainda o título de vice-campeão do mundo. E em 2019 conquistei mais duas medalhas de prata e duas medalhas de bronze nos Europeus», recorda Diogo Marreiros, que em campeonatos nacionais soma mais de 230 medalhas, sendo 124 de ouro, e tem também várias vitórias em Taças da Europa.
Não é à toa, portanto, que dizemos que Diogo Marreiros é um nome conceituado na patinagem de velocidade sobre rodas. Mas a ambição continua viva e o patinador está disposto a arriscar para conseguir mais, nem que isso o obrigue a passar de experiente a iniciante, que foi precisamente o que aconteceu quando resolveu passar para o gelo.
«É sempre difícil estarmos no alto nível numa modalidade em que já somos respeitados e depois irmos para outra em que somos iniciantes. É como se estivéssemos a regredir um bocadinho. Eu tento não pensar nisso porque tenho um objetivo definido e a minha evolução também tem sido relativamente rápida. Só tenho de me focar no meu caminho», afirmou, admitindo que estava à espera que a adaptação fosse mais fácil.
«Foi extremamente difícil a mudança e ainda continua a ser. No início pensava que iria ser mais fácil por ser uma modalidade parecida, mas cheguei à conclusão de que só partilham algumas regras e o nome patinagem. É quase como se fosse um desporto completamente diferente».
É que esta é ainda uma aventura recente. «Experimentei há dois anos. Fui para a Holanda a convite do Fausto Marreiros, que é um atleta luso-holandês que participou nos Jogos Olímpicos de Inverno por Portugal. Ele viu uma entrevista minha em que dizia que gostava de experimentar o gelo e nesse Inverno fui um mês para lá. Gostei muito e comecei a pensar nesse objetivo de ir aos Jogos Olímpicos.»
«No ano seguinte fui mais dois meses, comecei a fazer algumas provas, correu tudo excecionalmente bem e no inverno passado já lá estive mais dois meses», conta, dizendo que, apesar da adaptação ter sido então mais difícil do que esperava, tem «disfrutado imenso».
«Tive a sorte de ter bons treinadores na Holanda, e bons grupos de treino, e tenho disfrutado imenso. Também foi bom ter aprendido algo de raiz, apaixonar-me por uma modalidade nova e quando participo nas provas não tenho aquela pressão como tenho nas rodas, de ter de estar ao mais alto nível e ter de mostrar resultados», conta Diogo Marreiros.
No Inverno passado, o atleta lançou uma campanha de crowdfounding e conseguiu juntar 5 mil euros para ajudar a custear esse período na Holanda já que em Portugal não tem as infraestruturas necessárias para treinar.
«Não sabia se ia conseguir com os meus próprios meios, por isso lancei a campanha. Houve várias pessoas a contribuir que eu não conhecia, e outras que nem sequer revelaram o nome, apenas quiseram ajudar. Foi muito bom porque fez com que eu ficasse lá mais tempo e conseguisse evoluir mais e pude retribuir a quem me apoiou ao conseguir o tempo que me permite competir nas Taças do Mundo, que são as provas que dão acesso à qualificação para os Jogos Olímpicos», explica.
Mas, apesar de já ter conseguido uma classificação que permite competir nessas provas, Diogo Marreiros tem ainda um obstáculo burocrático no caminho, que é o facto de Portugal não estar ainda inscrito com a modalidade na União Internacional de Patinagem (ISU).
O atleta partilhou o seu sonho Olímpico com a Federação de Desportos de Inverno de Portugal, que fez uma alteração de estatutos, para integrar a patinagem artística e a patinagem de velocidade no gelo e está agora à espera da aprovação da tutela destas modalidades na ISU. Quando isso acontecer, Diogo Marreiros e os outros atletas portugueses já poderão oficialmente competir nas provas internacionais.
«A Federação de Desportos de Inverno de Portugal tem sido excelente. Organizou uma formação de treinadores de gelo, de juízes, vai organizar um estágio na Holanda com mais atletas das rodas e fazemos um mini-campeonato nacional no final e, se tudo correr bem, em junho vão avaliar a candidatura. Se for aprovada, já posso fazer as Taças do Mundo e tenho esse ano para me apurar para os Jogos Olímpicos», conta Diogo Marreiros.
E se não for aprovada? «Será uma desilusão muito grande», confessa. «Vou fazer 29 anos em novembro e os Jogos Olímpicos são no ano em que vou fazer 31. Se não conseguir neste ciclo Olímpico, se calhar já não consigo fazer outro ciclo. É difícil saber que tenho o tempo para poder competir nas Taças do Mundo e ainda não posso ir por estas razões. Mas eu tento pensar positivo, evoluir, preparar-me e esperar que tudo corra pelo melhor. Vou continuar a dar o máximo como se soubesse que vai correr tudo bem. E estou muito confiante.»
No verão, o patinador trocou a lâmina pelas rodas e esteve a treinar em Portugal. «Vou ainda fazer o Campeonato Nacional de pista, nas rodas, e depois parto logo para a Holanda porque no dia 24 já tenho a minha primeira prova. Vou lá ficar cinco meses, fazer a época completa e tentar evoluir o máximo possível para que, assim que a inscrição de Portugal seja aceite, eu possa participar nas Taças do Mundo.»
«O facto de ser o primeiro atleta totalmente português a tentar estar nos Jogos Olímpicos de Inverno na patinagem de velocidade no gelo também me dá outra motivação», explica.
Velocidade
Temos estado aqui a falar em patinagem de velocidade, mas, para quem não conhece a modalidade, que velocidades conseguem os atletas atingir?
«Em estrada temos provas de maratona em que o percurso não é muito retilíneo em que conseguimos atingir até 80 km/h a descer. Em pista, normalmente vamos até aos 50/55 km/h em sprint», explica Diogo Marreiros.
«Em competição nem nos apercebemos muito da velocidade, devido à adrenalina e à ambição de querer chegar primeiro. Só mais tarde, quando descarregamos os dados do relógio que tem GPS é que de facto verificamos a velocidade a que vínhamos a andar», acrescenta o patinador algarvio.
«As velocidades no gelo são ainda maiores. Em pista consegue-se chegar aos 60 km/h. Eu não, mas os mais rápidos atingem cerca de 5 a 10 km/h mais do que nas rodas. A estabilidade no gelo sobre a lâmina também não é a mesma que sobre as rodas, por isso a adrenalina ainda é maior», explica o atleta.
A esta velocidade pode haver lesões complicadas, mas ainda não foi o caso de Diogo Marreiros. «Já tive quedas, mas nunca me correu muito mal. Parti um braço em 2018, mas nada de muito grave, que me tenha dado um susto muito grande.»
«Nós aprendemos a cair, mas há quedas, quando vamos em pelotão e acabamos por tropeçar em alguém, em que não se controla bem como se cai. Mas tenho tido sorte», acrescenta.
Episódios marcantes
Já lá vão quase 25 anos desde que Diogo Marreiros calçou os patins pela primeira vez e, além dos quilómetros percorridos nas provas, foram muitas as viagens que o patinador fez na carreira.
«As coisas que me marcam mais no desporto, sem ser as competições e os resultados, são as viagens e as peripécias que as modalidades que não tem tantos apoios envolvem», conta.
«Numa das primeiras viagens que fizemos sozinhos, eu e o meu colega Martyn Dias chegámos a Itália, mas não fomos a tempo de apanhar o comboio que nos levava ao local da prova, onde já podíamos dormir no hotel. Tivemos de passar a noite a dormir na estação», recorda.
E esta ida ao passado tem ainda espaço para outro episódio marcante. «Numa viagem para a Venezuela no momento do controlo das bagagens fecharam-me numa sala cheia de fotografias de pessoas que tinham sido apanhadas com droga. Revistaram a minha mala toda e eu, com 14 anos, já nem sabia o que pensar, se eles até iam meter alguma coisa lá dentro…»
«Esses momentos de viagem são os que guardo com mais carinho. Na altura ficamos apreensivos, mas depois são histórias boas para contar e episódios que me ajudaram a crescer como pessoa. São histórias que num desporto mais profissional, com mais apoios, mesmo em camadas jovens, dificilmente aconteceriam», aponta Diogo Marreiros.
E por falar em apoios, neste momento Diogo Marreiros consegue viver só da patinagem? «Eu tirei a licenciatura em Ciências do Desporto e costumava dar treinos de patinagem. Também tirei o curso de táxi porque o meu pai tem táxis em Lagos e eu ajudava-o um bocadinho nas férias», começa por explicar o atleta.
«Agora com a ambição de participar nos Jogos Olímpicos tenho tido mais apoios, nomeadamente da Câmara Municipal de Lagos, do clube e também agora da Federação de Desportos de Inverno, então tem dado para me dedicar só à patinagem», conta.
E como é o dia-a-dia agora? «Treino de manhã e à tarde todos os dias, exceto ao domingo. De manhã ou faço treino de bicicleta ou uma sessão de ginásio. Depois almoço, descanso um bocado, que também é muito importante para a nossa preparação, e tenho outra sessão de treino de 1h30/2 horas, que é onde fazemos a sessão de patins na pista ou estrada.»
O foco está todo nos Jogos, agora é esperar que os obstáculos burocráticos saiam do caminho e patinar a toda a velocidade em direção ao sonho Olímpico.