Mais longe e mais alto é uma nova rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Joana, Susana e Jéssica dizem que ainda não se habituaram, mas a verdade é que são as melhores do mundo. Joana Patrocínio, Susana Pinto e Jéssica Correia compõem o trio de ginástica acrobática do Acro Clube da Maia (ACM) que ocupa o primeiro lugar do ranking mundial da modalidade, terminadas as três etapas do circuito da Taça do Mundo. Este é apenas o segundo grupo na história da ginástica acrobática portuguesa a conseguir alcançar este patamar.

Ainda a refazer-se do feito que conseguiram, as jovens contam ao Maisfutebol como tem sido este percurso marcado por grandes conquistas, mas também muito sofrimento.

Em competição

«Não estávamos nada à espera. Quando vimos que estávamos em primeiro no ranking e que era possível acabarmos assim, ficamos muito surpreendidas. Nunca nos tinha passado pela cabeça», conta Jéssica, a mais nova do trio, com 17 anos.

«Começámos a época com a Taça do Mundo, na Bélgica. Estávamos bem preparadas, mas as coisas não correram como nós queríamos. Foi uma experiência e aprendemos com isso. Continuamos a treinar e fomos à Taça do Mundo na Maia e aí correu bem melhor. Ficamos em segundo lugar e não ganhámos por uma centésima às inglesas. Foi lutar até ao fim», conta Joana.

«O que custou mais foi sabermos que elas tinham elementos mais difíceis, por isso tinham uma nota de dificuldade maior, só que nós tivemos melhor execução e melhor nota artística. Fizemos um trabalho mais limpo, mas, como elas partiam de uma nota maior, acabaram por ganhar. Acho que nunca nos tinha acontecido ficarmos assim tão perto. Uma centésima numa taça do Mundo… mas são as regras», explica.

«Depois tivemos o Campeonato do Mundo, na China, ficámos em sexto lugar e foi uma experiência muito boa, mesmo. Ir aos Jogos Europeus também foi uma coisa do outro mundo. O ambiente… tudo. Foi incrível. Estarmos na aldeia olímpica foi espetacular», recorda.

E a ida aos Jogos Europeus, os primeiros de sempre, foi um acontecimento imprevisto. «Quem era para ir era outro trio. Nós também tínhamos pontuado para ir, mas elas foram as escolhidas. Só que uma das bases partiu o braço a três dias da viagem. No final do treino o treinador deu-nos a novidade: “Daqui a dois dias vamos partir para Baku [Azerbaijão]”. Eu chorei… nem sei como reagi», conta Joana.

Até à partida ainda foi uma aventura. «Nem sabíamos se tínhamos viagem porque no dia seguinte era feriado e o comité estava fechado. Só tivemos a confirmação no dia antes de partir e fomos no dia seguinte às 5 da manhã», recorda Susana.

«Depois correu super bem. Abrimos os Jogos Europeus. Foi incrível. Conhecemos muita gente de outras modalidades, da nossa modalidade», diz Joana, que acabou por viver no Azerbaijão um momento especial. «Fiz 18 anos lá. Tive uma festa, toda a gente me cantou os parabéns».

Além do 7.º lugar conquistado, Susana explica o que mais o trio trouxe de Baku. «Nessas provas, aprendemos sempre muito. Começamos a ver: Ah, aquela tem uma técnica diferente, e se nós experimentarmos? Acabamos por nos enriquecer uns aos outros».

Susana e Joana, ambas de 19 anos, são as bases. Jéssica é a volante, que é projetada no ar pelas companheiras, num desporto que exige precisão e confiança. «É preciso nós confiarmos que a Jéssica vai fazer o que é suposto, que vai calhar sempre no mesmo sítio, assim como ela tem que confiar que nós vamos atirá-la suficientemente alto e que a vamos apanhar no fim, para ninguém se magoar», explica Susana.

O trio trabalha junto há dois anos. Antes, durante três temporadas, Joana e Susana trabalhavam com outra volante. «No início foi um pouco complicado. Conhecíamo-nos enquanto pessoas, mas nunca tínhamos trabalhado juntas», conta Jéssica.

E além desse entrosamento que é preciso desenvolver, a volante estava a contas com um problema físico. «A Jéssica tinha uma lesão grave no menisco quando começámos a fazer trio e estava muito mal. Às vezes ficava com muitas dores ao fazer um certo exercício e então deixávamos de treinar por causa dessa lesão. Perdíamos todo o trabalho que tínhamos feito até aí», recorda Joana.

«Não sabia se tinha que ser operada, fiz imensas ressonâncias, fui a muitos médicos, e estava na dúvida sobre se teria de parar. Não queria nada», acrescenta Jéssica.

«Essa situação deitava-nos muito abaixo. Não só a ela, que tinha a lesão, mas também a nós que, se calhar, também sentíamos a culpa. Às vezes nem era nada diferente que acontecia, mas só o facto de fechar o joelho já lhe dava muitas dores. Ao longo do tempo ela foi melhorando e conseguimos repor as coisas aos bocadinhos», conta Joana, explicando depois que o facto de terem ultrapassado aquele momento juntas ajudou a fortalecer a amizade e também o trabalho em grupo.

Sim, é que além de colegas, as três são amigas inseparáveis. «Treinamos quatro horas por dia, às vezes mais, seis vezes por semana, de segunda-feira a sábado. E fora daqui andamos sempre juntas. Vamos as três juntas de férias. Somos quase siamesas», conta Susana.

As dores são companheiras inseparáveis na ginástica e não são necessariamente motivo para interromper os treinos. «Tenho amigas no andebol, e vejo pelo caso do futebol, em que os atletas têm uma lesão e param de treinar. Fazem fisioterapia. Nós, não podemos fazer isso», conta Joana.

«Se partirmos um braço, fazemos com o outro, se partirmos um pé, fazemos com o outro. Aqui não há substitutos. Se tivermos dores, temos que aguentar. Não posso dizer ao treinador: vou estar parada um mês porque tenho uma tendinite. Isso é impensável. Parar só se for uma coisa muito grave. Mas nunca podemos deixar que o corpo deixe de trabalhar porque é um desporto muito rigoroso», explica.

Susana anui. «A ginástica acrobática tem isso. Nós trabalhamos como grupo. Num trio, eu tenho mais duas pessoas a depender de mim. Se eu parar, param as três».

Joana Patrocínio

Joana começou na ginástica aos oito anos, é, das três, a que está há mais tempo na ginástica. «Fui ver a prova de uma amiga e fiquei apaixonada. Não só pelos movimentos, por ser uma coisa muito ativa, mas também pelos fatos, pelo brilho, pela música, pelo ambiente de competição. Tudo me fascinou», conta.

«Passava horas a ver vídeos de acrobática, das russas, inglesas, quadras, trios, pares… tudo. Sabia as coreografias de cor. Era mesmo obcecada. Nunca pensei chegar onde cheguei, mas nunca deixei de acreditar que, se calhar, um dia conseguia», frisa.

Jéssica começou quase com a mesma idade, aos nove. «Uma amiga da minha mãe tinha uma filha que fazia ginástica e falou à minha mãe. Eu vim experimentar, não com o intuito de competir, porque a minha mãe não queria muito, mas eu olhava para as outras pessoas e queria fazer o que os mais velhos faziam», recorda.

Susana é uma caso bastante diferente. «Comecei aos 12 anos, o que é muito tarde. Eu fazia natação e uma rapariga que andava comigo lá, também fazia ginástica. Um dia, a minha mãe resolveu trazer-me para experimentar. E nunca mais parei. Olhava para os mais velhos, sabia que era difícil o que eles faziam, mas eu também queria conseguir. Apercebi-me tarde do que queria, mas ainda bem que me apercebi porque valeu a pena».

Apesar de gostarem do que fazem, as três admitem que há coisas que deixam de fazer por causa da ginástica. «No verão, vejo os meus colegas com três meses de férias a irem à praia todos os dias, e nós temos que vir treinar e até às vezes temos treinos bidiários. Temos duas semanas de férias, no verão, que sabem mesmo bem, mas, mesmo assim, não podemos parar completamente senão o corpo ressente-se», conta Jéssica.

Jéssica Correia

«Às vezes custa muito. Sentimos sempre aquela coisinha em nós: não sou uma pessoa normal. Todos os meus amigos vão sair, vão ao cinema, e eu saio da escola e vou para o treino. Acordo de manhã e vou para o treino. Há muitas coisas que deixamos de fazer, um bocadinho de nós que fica sempre menos. Não estamos sempre felizes», revela Joana. «Por outro lado, vivemos coisas que mais ninguém vive. E isso é um sonho para nós. Deixamos de ir ao cinema mas estamos a treinar para ir à China e competir entre os melhores. Por um lado penso: quero ter uma vida normal, mas, por outro, para mim isso não faz sentido. Gosto de ter a minha vida acelerada».

E já pensaram em desistir? «Todos os anos. De fora parece tudo muito bonito, são dois minutos e meio, todas brilhantes, mas não é nada fácil. É muito em jogo naqueles dois minutos e meio», confessa Joana. Também Jéssica e Susana admitem que chegaram a pensar em desistir. Mas depois pensaram em objetivos futuros e a motivação para continuar chegou.

O trio conseguiu garantir a vaga para os World Games, que basicamente são os Jogos Olímpicos das modalidades não olímpicas, mas não é garantido que estejam presentes. «Ganhamos lugar por Portugal, mas o lugar é de Portugal. Não sabemos se seremos nós a ir. Quero acreditar que somos nós», explica Susana. Uma boa prestação na prova é o objetivo das três.

Susana Pinto

E no futuro? Joana é estudante de Ciências da Comunicação, Susana estuda Medicina Dentária, e Jéssica ainda está no 12.º ano, mas todas admitem que é complicado continuar durante muito mais tempo como atletas.

«Em Portugal, que eu conheça, há cinco seniores elite, incluindo nós as três, que competem a nível internacional. Não dá para viver de ginástica como atleta. É impossível», explica Joana, que compara com a realidade internacional onde há «atletas já casados, com filhos, e que ainda competem».

«Aqui é bem diferente, apesar de a federação nos pagar as viagens, o que já é bom, não dá para ter despesas como casa, carro, propinas. Nós não recebemos nada, pagamos os nossos fatos, a mensalidade do clube, deslocações de estágios, e ainda tivemos que pagar os fatos de treino da seleção porque éramos juniores. Treinador é uma possibilidade. Eu e a Susana fizemos agora o curso de grau 1 e é sempre bom porque nunca nos vamos conseguir desligar deste mundo. Pelo menos eu não quero», garante.

O trio com o treinador Lourenço França