A 4 de junho de 2000, João Vieira Pinto deixou o Benfica. Numa conferência de imprensa, o até então «menino d’ouro» das águias explicou por que passou de vitalício a dispensado: «São eles os responsáveis pela minha saída, claro, foram eles que me dispensaram. Fui apanhado de surpresa, mas como podia ficar num clube onde as pessoas não me querem?»

No dia seguinte, 5 de junho de 2000, nasceu o Maisfutebol. E o artigo onde estão aquelas declarações foi um dos primeiros deste site a ficar online, como a Berta Rodrigues recordou nesta rubrica.

Faz agora, em junho de 2015, 15 anos.

Um mês depois daqueles dois acontecimentos, em 2 de Julho de 2000, João Pinto foi apresentado pelo Sporting para ser o «grande artista» de Alvalade.



Nos dias de hoje, quando o Maisfutebol assinala 15 anos de vida, é Jorge Jesus quem está na iminência de trocar o banco de treinador do Benfica pelo do Sporting naquela que é a mais recente guerra entre os dois rivais lisboetas no que respeita a ir buscar, desviar, roubar (nas várias classificações que vão dos diretamente envolvidos aos adeptos) trunfos que eram ou estariam para ser do outro.

O que se passa hoje não é mais do que uma das já várias manifestações desta arqui-rivalidade entre os emblemas da águia e do leão.

O maior marco nesta disputa entre os dois grandes de Lisboa está, incontornavelmente, na chegada de Eusébio a Portugal.

Vindo do Sporting de Lourenço Marques, o clube de Alvalade era o destino mais esperado... Mas, como se sabe, não foi o que acabou por acontecer. O «pantera negra» deixou a camisola verde e branca do clube moçambicano e acabou por vestir o encarnado do Benfica.



Foi entre 1960 e 1961. O Sporting tinha chegado a acordo com a filial moçambicana. O Benfica chegou a acordo com a mãe do jogador, que não quis deixar Moçambique sem um contrato assinado. Esta divergência de acordos entre as partes acabou por só ser resolvida em Portugal, em maio de 61, pelas instâncias desportivas, cinco meses depois de Eusébio aterrar em Portugal e sendo guardado, entretanto, na Luz.

Reza a história que as relações entre os dois clubes só foram oficialmente retomadas depois da revolução do 25 de Abril de 1974, com o patrocínio das próprias novas instâncias politicas. E que as pazes terão ficado seladas na final da Taça de Portugal desse ano.

Mas esta forma de rivalidade lisboeta já tinha antecedentes...

Nos meados da década de 1940, o violino Peyroteo chegou a levar Rogério «Pipi» a treinar em Alvalade. E chegou a haver uma proposta dos leões. Mas «Pipi» sonhava com o Benfica e uma melhor oferta dos encarnados juntou o útil ao agradável.

Recuando mais, aos anos 1930 do século passado – há precisamente 84 anos –, encontra-se a única mudança direta de um para outro clube no que respeita concretamente a treinadores. E, como a de Jorge Jesus, foi também no sentido Luz-Alvalade. Foi com Arthur John.

O treinador inglês orientou o V. Setúbal entre 1923 e 1929. No final essa época mudou-se para o Benfica. Arthur John foi treinador dos encarnados durante duas épocas e ganhou os dois Campeonatos de Portugal – os primeiros do clube. Como Jorge Jesus, mudou-se para o Sporting enquanto bicampeão nacional. Foi em 1931.



Entre os jogadores que saíram (diretamente) de um clube para o outro há vários casos que passam por Artur ou Eurico que – numa semelhança com o caso de João Pinto – deixaram o Benfica por desacordos com a direção e rumaram ao Sporting (ambos no final da década de 1970). Ou como os casos de Jordão (1977/78) ou Carlos Manuel (1987/88) que, saídos da Luz para o estrangeiro, não demoraram muito a voltar a Portugal… mas logo para o Sporting.

Mas nunca houve – por enquanto até hoje – um verão tão quente como o de 1993. O Sporting presidido por Sousa Cintra fez um autêntico raide ao plantel das águias e, aproveitando as dificuldades financeiras por que passava o clube da Luz, tenta contratar vários jogadores ao rival.

A estratégia foi fácil. Os jogadores do Benfica estavam com salários em atraso. Podiam rescindir e mudar-se para Alvalade. Paulo Sousa e Pacheco assim o fizeram, Rui Costa recusou a proposta. Pelo meio esteve João Pinto – que teve então a sua primeira possibilidade de jogar pelo Sporting.

Numa altura em que ainda se escondiam jogadores do rival, a direção de Jorge de Brito conseguiu descobrir a tempo o seu «menino d’ouro» antes de este vestir a camisola do Sporting e evitar que a vingança dos leões fosse maior.

Esta terá sido uma resposta de Cintra ao que tinha acontecido na época anterior. Em 1992/93, o presidente do Sporting tinha garantido o regresso de Paulo Futre a Alvalade. Mas as coisas acabaram por não correr bem entre Cintra e Futre – com versões divergentes sobre dinheiros – e o jogador deixou, de facto, o At. Madrid, mas para... ingressar no Benfica.

E avançamos até ao ano 2000, o ano do nascimento do Maisfutebol. Já não em junho, mas com o final desse ano a chegar. Estava-se em dezembro. E foi quando José Mourinho deixou o Benfica e esteve quase a ir, mas não foi para o Sporting.



A direção do Benfica presidida por Manuel Vilarinho não quis renovar o contrato de José Mourinho, que tinha ido para o Benfica pelas mãos de João Vale e Azevedo e exigiu essa demonstração de confiança. Face à recusa, o treinador então em início de carreira, respondeu com o bater da porta, depois de uma vitória por 3-0 no clássico com o Sporting.

A mudança para Alvalade ficou equacionada apenas três dias depois. Na quarta-feira seguinte ao dérbi, o Sporting dispensou Augusto Inácio. Mas, nessa conferência de imprensa, o então presidente da SAD leonina, Luís Duque, teve mais de se preocupar com o treinador falado para entrar do que com o que saía. Muitas manifestações de adeptos leoninos demonstraram o desagrado perante a eventual chegada de Mourinho – o treinador que tinha feito um gesto difícil de engolir para os verde e brancos quando João Tomás tinha marcado o segundo golo do Benfica.

José Mourinho esteve no centro de mais um terramoto no eixo Luz-Alvalade. O treinador e Luís Duque, na altura, não assumiram a possibilidade que esteve quase a concretizar-se, como aconteceu com Arthur John e está agora para acontecer com Jorge Jesus.

Mas, já mais recentemente, Mourinho acabou por confessar que esteve mesmo a minutos de ter trocado a Luz por Alvalade. Assim também o noticiámos, num destes 15 anos da nossa existência. A história desta rivalidade continua, como se viu nesta quinta-feira. E a nossa também, como é bom de ver.