O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:
Leia a apresentação de Marco Leite
MARCO LEITE, AEL LIMASSOL (CHIPRE)
«Toda a gente sabe da relação estreita do futebol com os restaurantes, vinhos e gastronomia em geral. E agora com gourmet, para os mais refinados, provavelmente com gostos mais requintados. Sabem ou não?
Se não, vejamos. Quantos de nós, homens da bola, gourmets ou simples amantes de um bom prato, muito antes de ingressar no hipotético clube pesquisamos afincadamente na net restaurantes.
E quando chegamos ao novo clube, numa nova cidade, perguntamos de imediato àqueles que já lá estão, onde estão os bons restaurantes, onde podemos comer bem e barato!
É, para quem gosta, uma delícia andar nos primeiros tempos da nossa chegada a saltitar, como as rãs de nenúfar em nenúfar, de restaurante em restaurante, de taberna em taberna, de tasco em tasco, à procura de um pouso definitivo.
À procura de quem nos aconchegue, como lá na terra. À procura do melhor repasto, algures. Onde possamos, além de comer realmente bem, ter a possibilidade de ocupar a nossa mesa. Aquela mesa sempre! De ter o funcionário sempre simpático a servir-nos.
Até porque pode ser aficionado, ou mesmo ser um patrão doente pelo clube, que se senta à mesa connosco e nos conta as peripécias, daqueles que como nós, lá passaram em tempos e ganharam a sua amizade e uns quilos a mais.
Recordo com saudade alguns dos sítios, que durante a minha vida de bola, me deliciaram com bons manjares. Em Paços que bem se comia na Nossa Pensão! Abençoado Sr. Fernando e o seu capão!
Em Coimbra, um viva muito grande ao Manel dos ossos. Saíamos de lá como o aço. Em Chaves, O Aprigio. Em Cluj, o Baraca e o Vinil. A Grega da Figueira. Que bom!
Eu confesso que tenho a felicidade de ter perto de mim, aqui em Chipre, três aficionados como eu, do bom apreciar e do bem cozinhar. Um bocado à imagem de uns amigos que deixei em Portugal (que prazer é estar com vocês à mesa, Ascensão, Taveira, Edu, Antonio Jorge, Xico e Alex!).
Quando é ocasião, é bom estar logo pela manhã, a debater, a pensar e a perpetrar todos os exercícios gastronómicos da tarde para podermos jogar à noite.
Se no aquecimento, atacamos com um bom branco da Borgonha ou um bom rieseling Austríaco, à volta de uns bons queijos e enchidos e de um bom pão.
Se no jogo, entramos logo em ataque continuado, com um branco Vila Real grande reserva a acompanhar um polvo assado no forno, ou optamos pelo contra ataque, com um Vale Dona Maria a regar um bem assado borrego ou mesmo uma picanha no forno.
É difícil esta vida de treinador. As tomadas de decisão. Muito difícil. Já no retorno à calma, temos alguma dificuldade. Gelado, ou uma das boas iguarias cipriotas, uns pastéis de massa folhada com nozes, amêndoas e canela, embebidas numa calda de mel.
Aqui optamos pela recuperação bem feita. Acompanhamos com um bom late harvest. Na cozinha a azáfama é grande. Eu e o chefe competimos pelos melhores pratos.
Ele mais com os tradicionais, mas muito bem conseguidos. Ao jeito do central que joga simples, mas com grande finura e cariz. Eu mais ao estilo de fusão, ao jeito do lateral que joga à esquerda ou à direita.
Há alguma dificuldade na escolha dos produtos, já que estes se anunciam em grego. Conseguimos ao entrar no supermercado, fazer uma viagem por todo o mundo. Desde a Austrália aos Estados Unidos, passando por Itália.
A escolha é difícil, ao estilo do mercado de inverno. As escolhas têm de ser cirúrgicas, ou corremos o risco de não ganharmos a competição.
O futebol preenche-nos de facto. Mas temos de arranjar tempo, para muitas destas coisas que dão sabor à vida.»