Os factos são estes. Marta Domínguez foi ilibada num caso de doping que corria contra si na Real Federação Espanhola de Atletismo (RFEA). A atleta recorreu dessa decisão da Comissão de Disciplina federativa que a absolve. O caso vai ter os próximos desenvolvimentos na justiça civil espanhola.

Já iremos às explicações que são adiantadas nesta altura. Vamos primeiro à história. Marta Domínguez é tida como a maior atleta da história do desporto espanhol. Especialista do fundo e meio-fundo, a corredora tem um currículo recheado mesmo faltando-lhe uma medalha olímpica.

Nos 3.000 metros obstáculos, a atleta espanhola foi campeã do mundo em 2009 e vice-campeã da Europa em 2010. Nos 5.000 metros, Domínguez foi bicampeã europeia em 2002 e 2006, teve um bronze europeu em 1998 e foi vice-campeã mundial em 2001 e 2003. Na pista coberta, a corredora tem uma prata (2007) e dois bronzes (1996 e 1998) nos 3.000 metros. E foi ainda campeã da Europa por equipas de corta-mato em 2007.

Aqui está ela na revalidação do ouro europeu nos 5.000 metros.



Em 2010 rebentou o escândalo. Quando já era também vice-presidente da federação espanhola de atletismo, Marta Domínguez foi detida no âmbito da «Operação Galgo», a terceira grande investida (a partir da nova legislação de 2006) das autoridades espanholas contra o doping e as redes de tráfico e administração de substâncias ilegais no desporto.

Em dezembro desse ano, a atleta foi detida depois de buscas em sua casa pela polícia. Em sequência das primeiras acusações manteve o cargo federativo, mas de forma suspensa. Entre ligações à rede sob investigação na «Operação Galgo», imputações de tráfico de anabolizantes e delitos contra o Fisco, o tribunal foi deixando cair as acusações ou arquivando os processos.



Os casos na justiça civil terminaram em 2011. No final desse ano, Marta Domínguez foi eleita senadora das cortes de Espanha pelo PP, cargo que mantém no presente. Em 2013, a atleta começou a ser confrontada pela justiça desportiva. A federação internacional de atletismo (IAAF) abriu-lhe um processo por doping com base no seu passaporte biológico.

O passaporte biológico é um registo dos valores hematológicos verificados aos longo dos anos com base nas análises e controlos sanguíneos determinados pela IAAF a que os atletas se obrigam quando pretendem ter a licença para competir passada pela sua federação.

A IAAF pediu quatro anos de suspensão para Marta Domínguez por ter valores hematológicos fora dos limites no seu passaporte biológico (a partir de agosto de 2009) implicando a perda do título mundial de 3.000 metros obstáculos nesse ano e da prata (na mesma distância) nos europeus do ano seguinte.

O que está em causa é isto:



No passado mês de março, o Comité de Disciplina da RFEA absolveu Marta Domínguez das suspeitas de doping. As causas da alteração dos valores hematológicos podem estar tanto no hipotiroidismo detetado em 2008 como na gravidez da atleta, em cujo período foi detetada a única variação num dos valores registados pelo passaporte biológico. E foi perante estas «inconclusões» (ou seja, por falta de provas evidentes) que a RFEA decidiu a absolvição de Marta Domínguez.

Uma estratégia clara

Sendo a suspensão pedida pela IAAF da responsabilidade da federação espanhola e tendo esta instância absolvido a sua atleta, a federação internacional tem como próximo expediente o envio do processo para o Tribunal Arbitral do Desporto (TAS). E é agora que chegam as explicações.

Marta Domínguez recorreu para Tribunal Superior de Justiça de Madrid (TSJM) da sua absolvição neste caso de doping. «É uma jogada clara», declarou ao «El País» uma fonte que o jornal espanhol insere na luta antidoping: «A atleta procura a nulidade dos procedimentos da federação espanhola, mesmo que sejam a seu favor, para evitar assim que a IAAF possa recorrer ao TAS.»

A atleta alegou no recurso que «a utilização de dados de saúde, concretamente análises de sangue e provas periciais sobre os mesmos, supõe uma ingerência ilegítima nos direitos fundamentais à intimidade e à proteção de dados pessoais». O jornal espanhol complementa a revelação com a conclusão do seu consultado: «É uma forma de ir não só contra o passaporte biológico, mas também contra todo o sistema antidoping mundial.»

«E é também uma intenção de conseguir que o seu caso, mesmo partindo de um expediente aberto pela federação internacional, seja resolvido não de acordo com as normas desportivas internacionais, mas com as leis civis» espanholas, como esclarece a fonte do «El País»: «E a própria decisão da comissão [disciplinar], que se baseia unicamente na legislação nacional, beneficia-a muito nesse sentido.»

Inusitado? Talvez. Surpreendente? Agora já nem tanto. E é assim que a federação espanhola também já tratou de impugnar o recurso interposto pela atleta contra a decisão que a absolve. Agora, está tudo explicado. Até à próxima decisão do TSJM.