O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

O Maradona invertido. Maradona triste. Maradona de cabeça baixa, humilde, fiel às raízes, Pelusa de pecho frio. O Maradona das causas. O do fardo pesado, aquele que carregou jogo após jogo e levou para todo o lado. O Maradona sem Nápoles.

O último dos dez-clássicos, se é que o futebol alguma vez vá ter algum capítulo final para alguma coisa.

Argentinos Juniors, Boca Juniors, Barcelona, Nápoles, Sevilha, Newell’s Old Boys e Boca Juniors: Maradona. Argentinos Juniors nos júniores, Boca Juniors, Barcelona, Villarreal, Boca Juniors: o outro, o dos golos tristes.

Riquelme. Juan Román. Assim mesmo, separados, porque a certa altura deixa cair o apelido da camisola. Até as sílabas parecem sair a um ritmo próprio, mais lento. Sem corridas loucas, mas com a bola controlada, sempre pronta para o drible fabuloso e a velocidade de pensamento, que lhe dão uma visão excecional. Maestro. Marca os ritmos como Xavi e Pirlo, mas mais à frente, perto da área. Depois, o passe, o remate forte e a festa, por fim. Mas sem sorrir.

Faz emergir um submarino amarelo no terceiro lugar da liga espanhola e está a 11 metros do prolongamento da meia-final da Liga dos Campeões, depois de ter eliminado o ManUnited e o Inter. Lehmann, que nunca será enorme, rouba-lhe o penálti que mantinha a esperança. Antes, apenas um dia antes, tinha recusado a transferência para Old Trafford, quando se encontrava com a equipa no hotel, em Londres. Seguiria para lá Carrick, do Tottenham.

Messi, Tévez, Riquelme e Aimar. Tanto talento numa única foto.

Serão também alemães, nesse mesmo 2006, a eliminá-lo nos quartos de final do Mundial, com Román sentado no banco depois de ter inaugurado o marcador. É sem ele em campo que a Mannschaft grita tor!, será sem ele por perto que passará nos penáltis. Lehmann agora negará o golo a Ayala.

Ignorado por Van Gaal e preterido em nome de Ronaldinho, antes de Rijkaard e Guardiola mudarem para sempre o Barça. Cinquenta e uma internacionalizações pela Argentina, com 17 golos, mas é o perfume do seu futebol que deixa marca. É o futebol do potrero, do baldio argentino onde os miúdos jogam à bola, que se apaga.

Não foram tempos felizes o que viveu em Barcelona.

Apesar do sorriso fechado, divertiu-se. «Espero que as pessoas tenham gostado tanto quando eu. Ao domingo, não era trabalho, realmente gostava muito de jogar.» Divertiu-nos. Mesmo que nunca tenha conseguido largar o fardo de ser o novo D10S.

Não agradou a todos, mas tal seria impossível. Bielsa e Maradona deixaram-no fora de la Albiceleste, Van Gaal não conseguiu encaixar tanto talento no onze culé. Só que todos os que o colocaram no centro do jogo, como Bianchi, Pellegrini, Basile ou Pekerman, puderam deliciar-se com a sua magia. Como naquele segundo golo à Sérvia, feito em 30 segundos e com 24 passes, antes de Cambiasso finalizar um dos melhores momentos coletivos da história dos Mundiais.

O regresso da felicidade no Villarreal, antes do Boca pela segunda vez.

É um homem de princípios, de personalidade vincada, amigo dos seus amigos de sempre na sua terra. Não tinha medo de dizer o que pensava, não tinha medo de falar fosse contra Maradona ou o homem mais rico do país, como chegou a fazer. Juan Román Riquelme é um homem por inteiro, com todos os apelidos. É o homem do povo, o último dos românticos, um dos últimos poetas da cancha.

Diz adeus à carreira porque não consegue voltar a defrontar o Boca, e o mundo chora o seu adeus. Ganhou pouco, não foi tão grande como realmente era, mas o rasto de deixou nos relvados demorará muito tempo a apagar-se. 

O fantástico segundo golo à Sérvia:

O documentário sobre Riquelme:

Algumas das melhores jogadas:

Juan Román Riquelme
Data de nascimento: 24 de junho de 1978

1996-2002, Boca Juniors, 151 jogos, 38 golos
2002-2005, Barcelona, 30 jogos, 3 golos
2003-2007, Villarreal, 119 jogos, 42 golos
2007-14, Boca Juniors, 180 jogos, 37 golos 
2014, Argentinos Juniors, 18 jogos, 5 golos

Internacional A: 51 jogos, 17 golos

Palmarés:

6 títulos de campeão argentino, Apertura 1998, 2000 e 2008, Clausura 1999 e 2011
1 Taça argentina: 2011-12
3 Taças Libertadores da América: 2000, 2001, 2007
1 Taça Intercontinental: 2000
1 Supertaça sul-americana: 2008

2 Taças Intertoto: 2003, 2004

1 Campeão do mundo sub-20: 1997
1 vencedor do Torneio de Toulon: 1998
1 ouro olímpico: 2008

Melhor jogador Torneio de Toulon 1998
XI sul-americano do ano: 1999, 2000, 2001, 2008 e 2011
Futebolista argentino do ano: 2000, 2001, 2008 e 2011
MVP Taça Libertadores da América: 2001 e 2007
Futebolista sul-americano do ano: 2001
Melhor estrangeiro da liga espanhola: 2004-05
Bola de Prata na Taça das Confederações: 2005 
XI de sempre da Taça dos Libertadores da América
Nomeado para XI do ano da FIFPro: 2006 e 2007

Outros artigos da série:

Nº 1: Enzo Francescoli
Nº 2: Dejan Savicevic
Nº 3: Michael Laudrup