O 10 sempre foi mais do que um número, um dorsal, mais até do que uma posição em campo. O 10 era o craque, o líder incontornável do ataque. Criador e, muitas vezes, também finalizador. No passado, muitas vezes o 10 era o 10, outras camuflava-se noutros números. «Os 10 e os deuses» recupera semanalmente a história destes grandes jogadores do futebol mundial. Porque não queremos que desapareçam de vez. 

Regele. Rei. Herói. Maradona dos Cárpatos. Comandante. Líder. Ou simplesmente Hagi, Gheorghe Hagi.

O melhor jogador romeno de todos os tempos ainda será durante muitos anos o seu número 10, um dos maiores de duas décadas muito especiais para o futebol: 80 e 90.

Drible, técnica, e remate surpreendente e espantoso de média e longa distância. Exímio marcador de livres, também muito bom finalizador. Rápido no arranque. Indomável. Temperamental.

Joga três Mundiais (1990, 1994 e 1998) e outros tantos Europeus (1984, 1996 e 2000). O primeiro pontapé a sério dá-o no Farul Constanta, segue para o Sportul e aterra no Steaua. Hagi chega ao clube dirigido por Valentim Ceausescu, filho do secretário-geral do Partido Comunista, para um empréstimo por um jogo, a final da Supertaça Europeia frente ao Dínamo Kiev.

Hagi ganha a Supertaça Europeia, em 2000, pelo Galatasaray.

Não é surpresa que a estada tenha-se prolongado por três épocas, para descontentamento do clube original. Os Ceausescu fazem tudo para manter forte o clube-bandeira do país e do regime, sobretudo nos jogos europeus.

É o Estado que o segura dentro de fronteiras apesar da cobiça de equipas como Juventus, Milan e Bayern. Giovanni Agnelli, patrão da Fiat, oferece-se para construir uma fábrica em Bucareste para levá-lo para Turim. Já Berlusconi monta o cerco ao jogador, apoiando-se num refugiado a caminho de tornar-se grande empresário chamado Giovanni Becali. A transferência cai por culpa da família, que não pode acompanhar o jogador de imediato. Mas, três campeonatos, duas taças e uma final da Taça dos Campeões Europeus depois, é tempo de experimentar novas culturas.

Com a queda do regime comunista e o regresso à democracia, as fronteiras abrem-se. Em maio de 1990, o esquerdino assina pelo Real Madrid em transferência-recorde, semanas antes do Campeonato do Mundo. A era da Quinta del Buitre está, contudo, a chegar ao fim, e o poder a mudar-se para Camp Nou, onde chega outro canhoto temperamental também de leste: o búlgaro Hristo Stoichkov, do CSKA Sófia.

O Mundial 1994, nos Estados Unidos, é um dos momentos mais altos da carreira do «Maradona dos Cárpatos».

Hagi nada ganha pelos merengues, com o Bernabéu a tornar-se um autêntico cemitério de treinadores: John Toshack, Di Stéfano e Radomir Antic são contratados e despedidos na primeira temporada, e o clube acaba em terceiro.

Tem de habituar-se a partilhar a atenção com outras super-estrelas e esse primeiro ano também na perspetiva individual está longe de ser brilhante. No seguinte, assina mesmo um dos golos da temporada, a cinquenta metros da baliza do Osasuna, mas nunca consegue tornar-se íntimo dos líderes de balneário, como ainda eram Sanchis, Michel e Butragueño. No epílogo do segundo ano de um contrato de quatro quer sair.

A transferência para o modesto Brescia surpreende o mundo, apesar de cada equipa italiana ter então uma grande estrela nas suas fileiras. A mandar do banco está o compatriota Mircea Lucescu, que dá os primeiros passos na carreira. Depois de ter garantido a promoção, importa ainda Raducioiu e Ioan Sabau do seu país.

Mais uma vez, a primeira temporada não é famosa. Mistura momentos de génio com loucura. É expulso na estreia e pouco contribui para o aumento da produção atacante da equipa nas jornadas posteriores. Na liguilha com a Udinese, o Brescia perde e volta a descer de divisão. Raducioiu é vendido ao Milan, enquanto Hagi fica para provar que não é «nenhum cobarde».

O Brescia voltará à Serie A, e Hagi terá nos Estados Unidos momentos de consagração ao carregar a geração de ouro romena aos quartos de final, caindo nos penáltis perante a Suécia.

Hagi ingressa no Barcelona para formar ataque de luxo com Stoichkov e Romário, mas não corre bem.

Johann Cruijff fica convencido. Quis enriquecer a Dream Team do Barcelona com um tridente ofensivo com Stoichkov, Romário e Hagi. Só que um rei é sempre incapaz de dividir o trono e, de certa forma, o romeno não cumpre as expetativas.

Na Turquia, mais tarde, com o Galatasaray, ganha tudo, inclusive a Taça UEFA numa final com o Arsenal em que volta a mostrar um feitio irascível: é expulso por agredir Tony Adams. Depois, arrebata a Supertaça frente ao Real Madrid. Ali, em Istambul, novo reino, não há dúvidas. Hagi está como peixe na água e é no final da carreira que vive os seus melhores momentos. Retira-se em 2001, finalmente completo.

É escusado dizê-lo. O Maradona dos Cárpatos está entre os grandes. Um 10 como poucos houve.

Os famosos livres de Hagi, aqui na ponta final da carreira, no Galatasaray.

Gheorghe Hagi

5 de fevereiro de 1965

1982-83, Farul Constanta, 18 jogos, 7 golos
1983-87, Sportul, 108 jogos, 58 golos
1987-90, Steaua, 97 jogos, 76 golos
1990-92, Real Madrid, 64 jogos, 16 golos
1992-94, Brescia, 61 jogos, 14 golos
1994-96, Barcelona, 36 jogos, 7 golos
1996-2001, Galatasaray, 132 jogos, 59 golos

Roménia, 125 jogos, 35 golos

Palmarés:

3 ligas romenas (Steaua, 1986-87, 1987-88 e 1988-89)
4 ligas turcas (Galatasaray, 1996–97, 1997–98, 1998–99, 1999–00)
2 taças da Roménia (Steaua, 1986-87, 1988-89)
2 taças da Turquia (Galatasaray, 1998-99 e 1999-2000)
1 supertaça da Roménia (Steaua, 1986)
2 supertaças de Espanha (Real Madrid, 1990; Barcelona, 1994)
2 supertaças da Turquia (1996 e 1997)
1 Taça UEFA (Galatasaray, 1999-2000)
1 supertaça europeia (Galatasaray, 2000)

Alguns prémios individuais:

Sete prémios de Futebolista romeno do ano (1985, 1987, 1993, 1994, 1997, 1999 e 2000)
Melhor jogador romeno dos últimos 50 anos (2003, UEFA Jubilee Awards)
Equipa-ideal do Mundial 1994
Melhor marcador da Taça dos Campeões Europeus (1987/88)
Melhor marcador romeno (1985 e 1986)

Cinco momentos de uma carreira:

Habilidades e golos:

Hagi contra Maradona:

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