Só passou uma semana, quem diria? O Campeonato do Mundo voltou ao Brasil 64 anos depois e está a dar-se às mil maravilhas. Já teve tudo aquilo de que falamos quando falamos de futebol e história. As próximas semanas dirão se esta impressão se dilui. Seja como for, já valeu. Por estas e por outras.

1 Emoção

Quando um jogo começa, tudo pode acontecer. Essa, que é a essência do futebol, é a primeira certeza da Copa 2014. Favoritos em apuros, os pequenos a obrigarem os grandes a suar, reviravoltas nos resultados. Nem todos, sim. A Alemanha foi a Alemanha, para mal de Portugal. Ainda assim. Foram seis até agora os jogos em que as equipas venceram depois de estarem a perder. Sete, se incluirmos aqui o Holanda-Austrália, que teve duas reviravoltas no mesmo jogo: a Laranja marcou primeiro, mas os Socceroos responderam com dois golos, forçando Van Persie e companhia a dar a volta para vencer o jogo. Em todo o Mundial 2010, para termos uma ideia, houve quatro reviravoltas. E no Brasil os jogos com resultados mais desnivelados não foram entre grandes e pequenos. Veja-se a Espanha, veja-se mais uma vez Portugal. De resto, houve dois empates nos 16 jogos da primeira jornada, quatro nos 23 encontros disputados até agora. E um deles não devia contar. O Brasil-México foi um grande jogo, mesmo sem golos. Sim, que não falamos apenas de emoção, mas de um número bem relevante de jogos de grande qualidade. E clássicos, por sinal dois deles a envolver a Inglaterra, derrotada com honra, frente a Itália e Uruguai. 

  

2 Choque

Escreve-se com as letras de Espanha, claro. Nunca um campeão do mundo em título tinha sido eliminado à segunda jornada. O Brasil viu o fim da história da magnífica seleção espanhola que dominou o futebol mundial nos últimos anos, campeã do mundo e bicampeã europeia. Começou naquele jogo com a Holanda: 5-1, uma goleada inimaginável, uma das piores derrotas de sempre da Roja. E prosseguiu naquela exibição fantasma frente ao Chile. A brutal queda da Roja ofusca tudo o resto, mas houve mais resultados-choque. A começar pelo descalabro português frente à Alemanha, claro. 0-4, o pior resultado de sempre da seleção nacional em fases finais. E também o Uruguai frente à Costa Rica. Pelo meio, polémica, claro. Logo no primeiro jogo, no penálti para o Brasil que indignou a Croácia. Houve vários erros de arbitragem nos primeiros dias, com o andar da competição melhorou. 

 

3 Golos, golos, golos

66 em 23 jogos, média de 2.87 por jogo. Surpreendente, porque inverte uma tendência negativa que o Mundial vinha cavando. A África do Sul, em 2010, foi o segundo pior torneio de sempre em média de golos (145 no total, média de 2.3), e a Alemanha, quatro anos antes, tinha ficado praticamente em linha com esse registo (147, a mesma média). Pior só mesmo o Itália 90, com 2.2 de média. Claro que estamos longe dos festivais dos primeiros Campeonatos do Mundo, quando o futebol era outro e um jogo com menos de quatro golos era fraquinho. Mais ainda do recorde, os 5.4 golos de média de 1954, na Suíça. Mas 2014 está a afirmar novas tendências, novos caminhos no sentido de um futebol menos obcecado com posse e controlo. 

4 Nomes próprios


O Brasil 2014 tem tido grandes protagonistas. Alguns estrelas consagradas, como Van Persie, Pirlo ou Luis Suarez, a aparecer ao segundo jogo e vestir a capa de herói para manter o Uruguai vivo; outras a afirmarem-se (como o costarriquenho Joel Campbell); e também heróis desconhecidos, entre todos o agora famoso Guillermo Ochoa, guarda-redes do México. Mas, além disso, Mundial que é Mundial tem de nos deixar pormenores de jogo, e de jogadores, para recordar. Um remate, uma finta, uma defesa. Também temos, e como. 

O mergulho de Van Persie para o primeiro golo à Espanha, depois de um grande passe de Daley Blind, logo para começar. Na era das redes sociais, não precisou de muito tempo para ficar imortalizado. Em memes e em imitações pelo mundo fora, com direito a nome próprio e tudo. Persieing, já experimentou? 


Parece que até o avô de Van Persie alinhou


Mas há mais. Aquele livre de Pirlo nos minutos finais do Inglaterra-Itália, o efeito inacreditável que faz a bola mudar de direção e abanar a trave. 


E, claro, Ochoa. O primeiro herói inesperado do Mundial 2014, o guarda-redes mexicano que defendeu tudo o que havia para defender frente ao Brasil e fez despertar comparações com o duelo entre Gordon Banks e Pelé no Mundial 1970.



5 Ambiente

Atrasos, protestos, incerteza. Os meses que antecederam o pontapé de saída do Mundial alimentaram muitas dúvidas. Mas como de costume, quando a bola começa a rolar elas ficam fora dos estádios. Não que tenha desaparecido o mal estar por trás da contestação nas ruas. Mas o Brasil está a aproveitar o momento, e a contagiar-nos nesse prazer. Esse imenso envolvimento resume-se bem na imagem da seleção da casa a cantar o final do hino à capela com o público no estádio, quando se esgota o tempo marcado pela FIFA para que ele seja tocado na instalação sonora.

O ambiente nas bancadas tem sido fantástico e o receio de estádios com clareiras, num país onde muita gente não pode pagar o preço dos bilhetes, não se confirmou. Muito graças ao fator América do Sul, os adeptos dos países vizinhos têm dito presente em massa. Fora dos estádios, com mais ou menos desenrascanço, a Copa também vai seguindo. Apesar dos problemas nos acessos que têm atrasado a chegada de muitos adeptos aos estádios (e seleções, incluindo Portugal na estreia), nas limitações de alguns estádios, ou de incidentes isolados. Como o tiroteio frente ao hotel das Honduras, num assalto de rua, ou a invasão do centro de imprensa do Maracanã por adeptos do Chile, esta sim a fazer soar alarmes, por ser vista como uma quebra de segurança e uma falha de organização daquele a que no Brasil chamam «padrão FIFA». 

6 Quente 



No domingo Portugal viverá a experiência de jogar em Manaus, o ponto mais quente do quente Brasil. E não será fácil, como já percebemos. Ainda na terça-feira vimos como suava toda a gente em campo no Arena Amazônia durante o Camarões-Croácia. E como sofreram os jogadores no Itália-Inglaterra. Pirlo contou que mal conseguia respirar e Marchisio até teve alucinações. Prandelli criticou o facto de não ter sido permitida a anunciada paragem para os jogadores se refrescarem. O problema é que a FIFA definiu como padrão para decidir se há ou não paragem um mínimo de 32 graus de acordo com o Wet Bulb Globe Temperature, uma medida que pondera vários fatores (como calor, humidade, vento), para avaliar o impacto das condições climatéricas no organismo humano. Manaus combina o calor com humidade muito densa, um efeito de forno que dificulta a respiração. Para ter uma ideia, veja esta reportagem da TVI em Manaus, por estes dias. Mas quem tem memória recordará que não é, de todo, o primeiro Mundial jogado sob muito calor. O exemplo mais ou menos recente é o dos Estados Unidos em 1994. E com um Mundial previsto para os 50 graus do Qatar em 2022, é com o Brasil que vamos embirrar? 



7 Cabeça perdida

Também não pode faltar num Mundial que se preze. Aquele murro de Song nas costas de Mandzukic entra direito para o campeonato dos momentos de pura brutalidade do Mundial. E houve uns quantos, ao longo da História. Mas não ficou por aí. A prestação dos Camarões, que se fizeram anunciar no Brasil com mais uma ameaça de greve, acabou com as imagens de Assou-Ekotto a agredir um companheiro de equipa e a sair do estádio de cabeça perdida, com Etoo a tentar acalmá-lo. Por outro lado, serviu para nos distrairmos de Pepe.



8 Espuma tecnológica

Inovações mais ou menos tecnológicas, também temos. Antes de mais a tecnologia da linha de golo, que a FIFA finalmente introduziu depois de a Inglaterra se ter visto em 2010 do lado errado de uma má decisão sobre a bola ter ou não passado a linha de baliza. Foi anunciada com pompa e usada nos primeiros jogos à exaustão, em situações óbvias, motivando piadas sobre o ridículo da coisa. Acabou por ser útil, pela primeira vez, no jogo França-Honduras, para mostrar que o segundo golo de Benzema foi válido. Mas não é essa a inovação do Brasil que está a dar que falar. Também não são as botas coloridas, às bolinhas, de cores diferentes em cada pé que os jogadores usam. Bem, essas também. Tal como a placa gigante do quarto árbitro que nos distrai do que realmente interessa, os números das substituições e os minutos de desconto. Mas a coqueluche da Copa é o spray. Aquela espuma que os árbitros usam para determinar o local onde deve estar a barreira, que desaparece ao fim de alguns minutos. Já usado na América do Sul, é novidade para o resto do mundo e tem sido um sucesso.



9 Drones e outras aparições

Por falar em tecnologia. E em confusões. Foi notícia em França, rapidamente passou as fronteiras. Um drone a sobrevoar o treino da França, antes da estreia no Mundial frente às Honduras. Que história, não era?


Deschamps foi questionado sobre o assunto em conferência de imprensa, sorriu e disse que não era problema dele, mas das autoridades competentes. Para alguma imprensa internacional, sobretudo britânica, este comentário foi entendido como tendo a França feito queixa à FIFA, temendo estar a ser espiada. Não fez, e aparentemente o objeto voador era de um adepto brasileiro, que usou a tecnologia para conseguiu ver um treino à porta fechada.

Não foi o único insólito fora de campo. A seleção da Croácia, por exemplo, ficou em polvorosa quando alguns tablóides do país publicaram fotos de jogadores nus na piscina, e os jogadores entraram em «black out». Acontecem sempre coisas estranhas à volta das equipas no Mundial. E a Miss Bum Bum no treino de Portugal não será a maior delas.

10 Mundial social

Posts, tweets, memes, vines. Aos milhões, a cada minuto. Já se previa que este seria o Mundial das redes sociais, mas a dimensão é brutal. Cada adepto está ligado com o mundo, e cada ideia que tem pode (e está a ser) partilhada nas redes sociais. Muito Facebook em Portugal (sabe quantos comentaram a derrota com a Alemanha?), muito Twitter lá por fora. Aliás, pode ler aqui mais umas ideias sobre este assunto. Dá para tudo, o Mundial que passou de vez a ter um segundo ecrã pelo meio.