Liderança, honestidade e orgulho pessoal andam de mãos dadas com José Mourinho. Depois dos triunfos em Inglaterra e Itália, «El Especial» quer, agora, completar o segundo objectivo da carreira, com a conquista de mais um campeonato ao serviço do Real Madrid. Fiel aos seus princípios, o treinador português reconhece, porém, a obrigatoriedade de se adaptar à cultura de La Liga. Em entrevista ao jornal espanhol «El País», Mourinho faz também um regresso ao seu passado e olha para o futuro, reafirmando o terceiro sonho da já prestigiada carreira: ser campeão da Europa ou do Mundo com a selecção de Portugal.

«Penso que Portugal, um país tão pequenino, de dez milhões de habitantes, sem potencial económico, sem grandes infra-estruturas, tem um futebol que merece algo importante. É um futebol que deu três bolas de ouro, que deu Eusébio, Ronaldo, Figo... Um país que deu um Benfica histórico e um Porto que ganhou a Champions merece duas coisas: ganhar um título grande e ganhar uma coisa ainda mais fácil: com a ajuda de Espanha, chegar a ter um Mundial de futebol. Temos que ganhar essa candidatura», afirma Mourinho.

Há anos fora de Portugal, o técnico confessa que não sente falta do seu país. «Não tenho saudades, mas tenho muita paixão», explica. E a maior, além da família, chama-se futebol. «É insolúvel da minha vida.»

«A idiossincrasia do clube e da liga são fundamentais»

A uma semana do arranque do campeonato espanhol, Mourinho já tem a lição mais que estudada. Sabe que será «impossível» fazer com o Real Madrid o mesmo tipo de jogo que desenvolveu com o Inter. A sede de vitória é inegável, mas para a conseguir valores mais altos se levantam. «Podes ter princípios de jogo, podes não abdicar deles, mas a idiossincrasia do clube e da liga são fundamentais. Se tentas jogar contra esses princípios, estás a jogar contra ti. Existem coisas no Real Madrid que quero manter», justifica o treinador, referindo-se à «obsessão» dos madridistas «por jogar um futebol ofensivo e atractivo».

Se o trabalho começa em casa, a atenção de Mourinho também recai necessariamente sobre os adversários. E em Espanha há outro nome especial, com quem já se cruzou em tempos passados. «Quando me perguntam, digo sempre que Guardiola é o treinador perfeito para o Barça. É catalão, é culé, nasceu lá, na Masía, é amigo de Cruyff, há adeptos com muito amor por ele, com muito amor pelo clube. (...) Neste momento não lhe posso desejar sorte porque jogamos para o mesmo, mas fora isso não tenho nenhum problema com ele.»

«Nunca direi basta»

Liderar um balneário de estrelas não é novidade para Mourinho. Para vingar no Real Madrid, a sua receita é a mesma de sempre. «A honestidade. O mais importante de um treinador e talvez de um homem. (...) Posso cometer erros nas minhas decisões, nas análises, mas guardarei o máximo de honestidade com os meus jogadores. Nunca lhes chegará uma decisão ou crítica minha pela boca de outra pessoa. (...) Uma das coisas que lhes quero explicar é precisamente isso, que quero ter uma relação muito grata, muito honesta y bilateral: eu contigo e tu comigo. Não quero intermediários», explica Mourinho.

Hoje, depois de tantos triunfos, o treinador português lamenta que o sucesso lhe tenha custado a sua privacidade. Contudo, além do amor incondicional ao futebol, há algo mais que o fará continuar nos campos, durante muitos e muitos anos. «Quero continuar a fazê-lo para estar bem comigo mesmo. Quando chegamos a este nível, é uma questão de orgulho pessoal. Quero fazer história, [Cristiano] Ronaldo quer fazer história, Messi quer, Zanetti quer... Os jogadores importantes querem fazer história. Dentro de 50 anos estarei na história do Porto, do Chelsea, do Inter... Nós, jogadores e treinadores, chegámos a este nível por orgulho natural, é um orgulho inato. Se não fosse por isto, um dia levantar-te-ias da cama e dirias: 'Basta'. Nunca direi basta.»