*Enviado-especial ao Brasil

Gijon, 16 de junho de 1982. O primeiro Mundial com 24 equipas abriu espaço a duas vagas para seleções africanas e propiciou a estreia da Argélia em campeonatos do mundo. O batismo adivinhava-se de fogo: pela frente a fortíssima seleção da Alemanha, na altura RFA.

Até àquela data, a Alemanha nunca tinha perdido um jogo de estreia. Depois daquele dia, nunca mais voltou a perder.

A motivação para Portugal no arranque do Mundial 2014 passa por tentar imitar o feito da Argélia de Madjer e companhia, no Espanha 82. Fazer tombar os alemães, com a diferença que, desta feita, os pratos da balança ameaçam estar bem mais equilibrados.

Rabah Madjer falou ao Maisfutebol desde o Dubai, onde se encontra na fase final de um reality-show para descobrir talentos no futebol, ao lado do Maradona. E lembrou o dia em que a Argélia abriu a boca do mundo de espanto.

«Foi uma surpresa para todos. Não tenho dúvidas que a equipa alemã menosprezou-nos. Achavam que estava ganho, viam-nos como uma equipa da África do Norte que não ia ter hipótese. Acharam que ia ser fácil. Correu-lhes mal», diz Madjer, num português perfeito.

O segredo da sua equipa foi «jogar com confiança». E Madjer destaca o «futebol ofensivo». «Jogámos bonito», conta.

Antes daquele jogo, o único encontro entre Alemanha e Argélia datava de 1976 e o resultado fora esclarecedor: 5-1 para os alemães. As apostas, seis anos depois, rondariam a mesma margem.

Mas Madjer trocou-lhes as voltas. Foi dele o primeiro golo, logo aos sete minutos. O antigo avançado do FC Porto relata-o na perfeição: «O Zidane mete a bola entre dois jogadores para o Belloumi. O Schumacher sai da baliza aos pés dele, a bola toca-lhe na mão, sobra para a direita e eu apareço a encostar. Foi um golo espetacular.»

«No segundo golo a Alemanha nem tocou na bola»

O golpe causou o primeiro estrago, mas a verdade é que a Alemanha chegou ao empate. Marcou Rummenigge, aos 22. Quem acreditou que era o princípio do fim dos estreantes argelinos teve poucos segundos para mudar de ideias. Os mesmos que foram precisos para a bola entrar novamente na baliza alemã, depois de oito passes seguidos entre os jogadores da Argélia.

Marcou Belloumi e Madjer recorda com orgulho: «A Alemanha nem tocou na bola!»

«Depois do jogo foi uma festa nacional. Aquela era uma geração muito boa para a Argélia. Desapareceu, houve outras, não correu tão bem mas é normal. Aquele jogo ninguém nos tira. Ficou na história», acrescenta.

O futuro da Argélia no Mundial acabou, porém, por não ser mais longínquo que a primeira fase. As crónicas lembram o empate conveniente que apurou Alemanha e Áustria, mas Madjer recorda que a Argélia é que se colocou a jeito para ser atraiçada.

«Antes de falar do Alemanha-Áustria tenho de falar do Argélia-Áustria. Em condições normais, ganhávamos aquele jogo facilmente. Mas os jogadores ficaram muito inchados com a vitória com a Alemanha e não entraram em campo da mesma forma. E a Áustria tinha muito medo nosso. Muito medo mesmo. Foram mais profissionais que a Alemanha e isso fez a diferença. Mas devíamos ter ganho», lamenta.

A Áustria venceu por 2-0 e com o Chile fora das contas, tudo se decidia na última ronda. Passaram os vizinhos europeus. «Foi o jogo da vergonha, como todos sabem. É futebol, já passou. Mas nós é que lhes demos essa oportunidade. Se tivéssemos ganho à Áustria eles jogavam para ver qual deles passava connosco», lembrou Madjer.

A receita de Madjer: combater a história com coração

Quatro anos depois, a RFA começou o Mundial a empatar a uma bola com o Uruguai. Foi a última vez que não venceu. A série de triunfos a abrir o torneio já vai em seis. E com um dado extra que deve preocupar Portugal: nos últimos três Mundiais, a Alemanha marcou pelo menos quatro golos no jogo de abertura!

Ainda assim, Madjer acredita que Portugal pode imitar o feito do seu país e voltar a derrotar os germânicos no jogo de estreia.

«Por que não? A equipa atual da Alemanha é muito boa, mas não é a equipa de 82. Aquela, para mim, é a melhor seleção da Alemanha de todos os tempos. Com Schumacher, Rummenigge, Breitner, Littbarski…Muito boa equipa mesmo. Não voltou a haver uma equipa alemã como esta», considera.

Sobre a atual, o homem do calcanhar de Viena elogia o «bom futebol», que Portugal pode contrariar com uma virtude singular: «Os portugueses quando entram em campo, entram com o coração. Conheço bem isso. E depois tem um jogador fantástico como o Cristiano Ronaldo que pode fazer a diferença.»

«Olhe, boa sorte para Portugal», atira Madjer já em jeito de fim de conversa. A avaliar pela história, Portugal vai precisar.

ESTREIAS DA ALEMANHA* EM MUNDIAIS:

*inclui RFA e RDA

Uruguai 30: não participou
Itália 34: Alemanha-Bélgica, 5-2
França 38: Suíça-Alemanha, 1-1
Brasil 50: não participou
Suíça 54: RFA-Turquia, 4-1
Suécia 58: RFA-Argentina, 3-1
Chile 62: RFA-Itália, 0-0
Inglaterra 66: RFA-Suíça, 5-0
México 70: RFA-Marrocos, 2-1
RFA 74: RFA-Chile, 1-0; RDA-Austrália, 2-0
Argentina 78: RFA-Polónia, 0-0
Espanha 82: RFA-Argélia, 1-2
México 86: RFA-Uruguai, 1-1
Itália 90: RFA-Juguslávia, 4-1
EUA 94: Alemanha-Bolívia, 1-0
França 98: Alemanha-EUA, 2-0
Coreia do Sul/Japão 2002: Alemanha-Arábia Saudita, 8-0
Alemanha 2006: Alemanha-Costa Rica, 4-2
África do Sul 2010: Alemanha-Austrália, 4-0