Enviado-especial ao Brasil

A Argentina é a sétima equipa a apurar-se para os quartos de final do Mundial, batendo a Suíça, com enormes dificuldades, graças a um golo de Di María no final do prolongamento. Confirmou-se o guião dos outros jogos a eliminar, com Brasil, Holanda, França e Alemanha: a equipa mais frágil supera-se e obriga o favorito a sofrer mais do que a conta, antes de a lógica recuperar os seus direitos. Messi, muito vigiado, não conseguiu marcar, pela primeira vez neste Mundial, mas foi ele quem abriu o cofre-forte suíço a dois minutos do fim.

Desde as primeiras horas da manhã que a mancha azul celeste se espalhou por São Paulo. Mais de 40 mil argentinos, muitos sem bilhete, trataram as avenidas como suas e começaram a transformar este Argentina-Suíça numa coisa muito maior: um Argentina-Brasil jogado por interposto adversário, e com 13 dias de antecedência em relação à final mais temida e desejada pelos dois.

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Depois veio o jogo e, durante 27 minutos, tudo o que interessava acontecia nas bancadas do Itaquerão. Talvez porque há algo de contranatura em torcer por um país neutral por definição, os coros prolongavam a sensação de aperitivo para o duelo sul-americano: a metade argentina do estádio lançava os clássicos («...que esta barra quilombera/no te deja, no te deja de alentar» e o provocatório «Brasilero, brasilero, que amargado se te ve/Maradona es más grande que Pelé») e a improvável aliança canarinho-helvécia respondia com coros sincopados de «Pen-ta-cam-pe-ão!».

Aos 27 minutos, porém, Shaqiri trabalhou sobre Rojo, na direita do ataque suíço, e ofereceu um golo feito a Xhaka, que só conseguiu rematar contra as pernas de Romero. E então os adeptos argentinos perceberam que, até aquele momento, a sua equipa, apesar de instalada no meio-campo oferecido pelo adversário, não tinha sido superior à Suíça em nenhum aspecto do jogo, tão previsíveis as suas movimentações.

Os esquemas iniciais eram semelhantes: variantes do 4x2x3x1, com Messi e Shaqiri livres para a criação, nas costas de Higuaín e Drmic. Mas seja qual for a arrumação dos seus homens, esta Argentina de Sabella tem um plano definido: esperar que Messi apareça. E durante a primeira parte isso não aconteceu, em grande parte por mérito da cobertura que Inler e Behrami faziam aos centrais.

A jogada de Shaqiri obrigou os argentinos a esfregarem os olhos: nos minutos seguintes, Lavezzi e Garay ameaçaram Benaglio, e Xhaka viu o primeiro amarelo do jogo. Mas esse sobressalto argentino durou pouco, e voltou a ser suíça a melhor oportunidade da primeira parte, num contra-ataque em que Shaqiri lançou Drmic nas costas dos centrais. Mas o jovem avançado do Nuremberga deve ter visto demasiados vídeos de Messi: com todo o tempo para decidir e só Romero pela frente, decidiu-se por um chapéu envergonhado que o guarda-redes argentino poderia ter defendido com os dentes (38 minutos).

Benaglio, providencial

A segunda parte recomeçou com mais dois fogachos de Shaqiri, num dos quais Drmic voltou a concluir mal. Mas a fase seguinte foi toda argentina, com Rojo a intervir em dois lances de perigo: primeiro, após desequilíbrio criado por Messi, obrigou Benaglio a defesa difícil. Depois, aos 62 minutos, acertou um bom cruzamento, que Higuaín cabeceou para um voo espectacular de Benaglio.

Mesmo com a imobilidade de Gago a emperrar o jogo argentino, a Suíça perdia claramente o meio-campo, e Hitzfeld trocou um já amarelado Xhaka por Gelson Fernandes, acentuando ainda mais a vocação defensiva da sua equipa, já sem capacidade para levar o jogo até à área de Romero. Sabella acentuou a pressão, trocando Lavezzi por Palacio, e o golo rondava a baliza suíça – mais perto do que nunca aos 78 minutos, quando Messi, pela primeira vez, conseguiu fugir à tripla vigilância e escavou um buraquinho para um remate que Benaglio defendeu com muita dificuldade.

Os adeptos brasileiros sentiam o cerco apertar, e davam ânimo à sua equipa adotiva, com coros de «ohé, ohé, ohé ohéééé, Sui-çááá, Sui-çááá», que prolongaram o fôlego da equipa nos minutos finais. Ao mesmo tempo, à imagem de Messi, frustrado em muitas das suas ações por défice de espaço e inflação de pernas, a Argentina começava a dar sinais de impaciência, que tornavam esteril o ascendente e tornavam inevitável o quarto prolongamento neste Mundial.

Di María acorda a tempo

O prolongamento foi uma versão condensada do que tinham sido os 90 minutos: a Suíça entrou melhor, moralizada pela proeza de ter obrigado o favorito a tempo extra, e durante um minuto surreal arrancou mesmo um coro de «olés» aos deliciados brasileiros, numa prolongada troca de bolas no meio-campo adversário.

Depois, claro, tudo voltou ao normal: a falta de pernas tornou-se gritante, e a Argentina voltou a poder alugar o seu meio-campo, em especial a partir do momento em que Biglia entrou para o lugar de Gago e tornou a circulação de bola muito mais fluida. Nessa fase, Benaglio voltou a ser decisivo, com uma defesa monumental a tiro de Di María.

O extremo do Real Madrid, que tinha passado os 90 minutos sem uma ação relevante, transformou-se numa estrela do tempo suplementar, tal a diferença de velocidade para os outros. E a dois minutos do fim, numa das raras perdas de bola da Suíça em saída para o ataque, Messi viu-se com espaço e encontrou a combinação do confre-forte: uma aceleração vertiginosa, concluída com um passe a rasgar para a entrada de Di María, que bateu Benaglio com um remate cruzado.

O prolongamento ainda teve um momento de supremo dramatismo, quando, num dos últimos lances, Dzemaili cabeceou ao poste e viu a bola bater-lhe na perna, saindo a centímetros do golo. Mas a história estava escrita: um jogo que, durante 105 minutos de calculismo, mais pareceu jogado por duas Suíças, foi resgatado por 15 minutos de loucura. No fim, ganhou a Suíça que tinha Messi.