* enviado-especial

Há uma bola picada por Aguilar para a área, que Alvaro Pereira corta em voo, com a cabeça. A bola volta a Aguilar, que de cabeça a toca, pingada sobre Arevalo Rios, na direção de James. A dois metros da meia lua, o 10 avança, mata no peito e roda sobre o seu lado direito, libertando a perna esquerda. O ponto de impacto - a que noutros contextos se chama ponto G - dá a bola a trajetória perfeita, entre força e colocação, para passar entre a mão direita estendida de Muslera e a parte de baixo trave. O ressalto, para lá da linha, põe o ponto de exclamação em toda esta perfeição. Um golo perfeito, num palco perfeito. Se não vos entusiasmou, desistam: o futebol não consegue ser muito melhor do que isto.

OK, tentemos outra vez: Zuñiga combina na direita com Cuadrado, vira para o meio, onde Jackson sai da área para receber e meter na esquerda, na velocidade de Armero. O cruzamento é tenso, ao segundo poste. Tão tenso que Cuadrado, em esforço, tem de fazer uma acrobacia para evitar a saída da bola cabeceando para trás, onde James aparece a dar a estocada final. Génio primeiro, geometria depois: a perfeição em dose dupla, num estádio mítico, em mais um jogo que promete ficar nas memórias durante muitos anos. Quanto mais não seja porque pode representar a subida de James Rodríguez – já o melhor marcador do Mundial, com cinco golos - no patamar das estrelas globais que parecia reservado a Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo.

O fantasma de Suarez

Aconteça o que acontecer no próximo jogo com o Brasil, vai ser difícil tirar o título de equipa mais espectacular do Campeonato a esta Colômbia, que pela primeira vez chega aos quartos-de-final de um Mundial. A vitória sobre o Uruguai foi conseguida num Maracanã tingido de amarelo: brasileiros e colombianos torceram juntos contra o fantasma celeste. Os primeiros desforraram-se dos cânticos trocistas com que os adeptos uruguaios pontuaram o sofrimento do escrete, no primeiro jogo da tarde. Os segundos não se desforraram de nada: limitaram-se a apreciar os números de magia dos «cafetones», uma equipa que está muito longe de ser um número de um homem só.

Para completar a introdução, falta falar de outro fantasma, presente o tempo todo no Maracanã: Luis Suarez. O avançado dos «charruas», já recambiado para casa, teve na mesma o seu lugar no balneário. A equipa e os adeptos uniram-se em seu nome, contra aquilo que consideram ser um castigo injusto. O espírito de cerco, contra o mundo, estava bem ilustrado no ímpeto com que os setores dispersos de camisolas azuis se fizeram ouvir, no momento dos hinos, e nos minutos em que a supremacia colombiana ainda podia passar por algo consentido.

A verdade às vezes é simples: com Suarez o Uruguai ganhou dois jogos, sem ele perdeu os outros dois. É duvidoso que, mesmo com ele, o desfecho tivesse sido diferente – mas ficou claro que a sua ausência é um fardo demasiado pesado para uma equipa combativa, corajosa, mas já sem a contundência dos últimos anos.

James e muito mais

Até ao primeiro momento de magia de James, aos 28 minutos, tinha-se assistido a um confronto de estilos: o Uruguai, em 3x5x2, dava bola e iniciativa à Colômbia, apostando nas saídas rápidas para a dupla Cavani-Forlán. A Colômbia, com bola e uma confiança a roçar a insolência, aceitava o repto, numa espécie de 4x2x2x2 em que Aguilar e Sanchez cobriam as costas dos criativos James e Cuadrado, que por sua vez alimentavam Jackson e Teo Gutierrez.

Falta dizer que, mesmo sem Falcao, esta Colômbia tem quase tudo para ser grande: os laterais, Zuñiga e Armero, são do melhor que se tem visto nos relvados brasileiros, e foi o primeiro a dar o sinal de partida, com duas ou três arrancadas que puseram o Uruguai em respeito, uma delas obrigando Muslera a grande defesa.

Depois veio «aquilo» (voltar ao primeiro parágrafo) e o jogo inclinou-se de vez para o lado colombiano. À magia de James sucedeu-se a geometria perfeita de uma equipa muito bem montada por José Pekerman e o segundo golo foi a melhor prova disso mesmo. Com 2-0, e o jogo arrumado, a Colômbia pôde então agrupar-se, baixar o ritmo, e sofrer um assédio final de um digníssimo Uruguai. Stuani, Maxi Pereira e Cavani estiveram perto do 2-1, que até seria merecido, mas Ospina não quis faltar à festa e fez questão de manter a gala colombiana imaculada até ao fim.