O futebol americano é um fenómeno com cada vez mais adeptos na Europa. As últimas estimativas apontam para a existência de 11 milhões de seguidores fieis só no Reino Unido, o que levou a National Football League (NFL) a promover a realização de jogos do campeonato em Londres.

O mítico Estádio de Wembley é a casa destes desafios denominados «international series» desde 2005 e as expetativas não têm saído goradas, com as bancadas a ficarem sempre repletas. Assim aconteceu a 28 de setembro, quando os Minnesota Vikings receberam os Pittsburgh Steelers perante 85 mil espectadores.

O grande espetáculo à americana começou dois dias antes, quando em plena Baixa de Londres foi encerrada a movimentada Regent Street entre Oxford Circus e Picadilly Circus. Milhares de pessoas na rua participaram em ações de promoção da modalidade, assistiram a performances das cheerleaders e compraram muitas camisolas e bonés.

«Estas são as Nações Unidas do futebol americano, em que todas as cores estão representadas», comenta um dos responsáveis pela organização, visivelmente satisfeito por ver milhares de pessoas em são convívio enquanto envergam as camisolas de clubes rivais. Durante os dias em que as atenções estavam viradas para o futebol americano não houve registo de qualquer conflito entre adeptos, apesar de muitos Steelers se terem cruzado com Ravens ou Patriots.

Todos aqueles americanos, ingleses, alemães, holandeses, espanhóis e outros que pagaram muito dinheiro por um bilhete, garantiram alojamento e gastaram libras em compras estavam ali por uma modalidade que ainda deixa muita gente desconfiada na Europa, mas que nos Estados Unidos é o grande desporto nacional. São conhecidas as audiências do Superbowl, a final do campeonato, que bate recordes todos os anos e suscita cada vez mais interesse a nível internacional.

Tudo pensado ao pormenor

O jogo de Londres não foi uma mera exibição da modalidade. Para os Vikings e para os Steelers era um desafio do campeonato, tão importante como os disputados no outro lado do Atlântico, e ninguém queria perder. Conferências de imprensa organizadas, estrutura movida em peso para a capital britânica e a vontade de quebrar um ciclo de derrotas, algo comum às duas equipas que à quarta jornada ainda não tinham conseguido vencer.

Na véspera do jogo um momento insólito em Picadilly Circus, bem no coração de Londres. A meio da tarde, um casal com um filho de cerca de três anos sai do táxi e começa a tirar fotos, como qualquer outro turista nesta cidade. «O que faz aqui Adrien Peterson, não joga amanhã?», pergunto. «Sim, claro, mas o treinador deu a tarde livre e aproveitei para vir visitar o centro de Londres, que não conheço», responde o simpático homen, que por acaso é Adrian Peterson, a estrela dos Minessota Vikings o melhor jogador do futebol americano na atualidade.



O encontro, porém, aparenta apenas ser casual. A segui-lo vai uma equipa da «NFL Films», que capta todos os movimentos deste contacto com o público para fazer mais um documentário de promoção do grande atleta. E Peterson responde a tudo e a todos, tira fotos, assina autógrafos e sorri. 24 horas depois seria a grande figura do jogo.

Wembley recebeu o futebol americano com a mesma pompa do nosso futebol e à semelhança da final da Liga dos Campeões, o jogo da NFL esgotou todos os lugares disponíveis do mítico estádio. O espetáculo começou muito antes do primeiro pontapé na bola, com concerto de Tinie Tempah, para além do hino dos Estados Unidos ter sido cantado por Gene Simmons, o líder da banda «Kiss».

O anúncio dos jogadores da equipa da casa é feito com recurso a fogo de artifício, labaredas e fumo. Eles são as estrelas e são vendidos como tal, jogo após jogo.



No campo jogam onze contra onze, em quatro períodos de quinze minutos, com várias interrupções e descontos de tempo. O «speaker» do estádio explica as jogadas e nas decisões mais polémicas é o árbitro principal que anuncia a decisão para toda a gente ouvir. Os gigantescos painéis eletrónicos servem para exibir vídeos de motivação da equipa da casa, para focar reações de espectadores ou até anunciar resultados da jornada (com direito a vídeos das melhores jogadas).

Para quem gosta da modalidade foi um dia em cheio, com emoção até final. Os Vikings venceram por 34-27, remetendo os Steelers para o pior arranque de época do seu historial. Uma crise grave do clube com mais títulos da NFL.

No final do jogo mais uma diferença: os jornalistas têm acesso não só à conferência de imprensa, mas também aos balneários das equipas para entrevistas aos jogadores. Algo completamente inusitado aos olhos do nosso futebol, pelo menos nos grandes campeonatos e particularmente em Portugal, onde as regras para contactos com os atletas são cada vez mais restritivas.

No balneário dos Steelers ninguém estava satisfeito e a face do descontentamento era a grande estrela da equipa, Ben Roethlisberger. O
quarterback recusou um primeiro contacto com os jornalistas, mas depois de tomado o banho aceitou analisar a dura realidade: «Este é maior desafio da minha carreira. Se continuarmos a perder temos todos o emprego em risco, começando por mim. Apesar da grande experiência de jogar neste estádio fantástico, foi uma noite má para os Steelers».

As declarações são proferidas no balneário da equipa, perante um punhado de jornalistas, entre eles algumas mulheres. Quem as faz é Big Ben, duas vezes campeão pelos Steelers e uma das grandes figuras da modalidade. O espectáculo é vendido assim, em todos estes pormenores, nesta disponibilidade constante e noção de que o produto tem de ser rentabilizado.

O futebol americano pode não entusiasmar os verdadeiros fãs do futebol como o conhecemos, mas temos de reconhecer que a sua principal liga deverá servir de lição para os responsáveis europeus. O conceito está inventado e deve ser aproveitado, com ganhos para todos, incluindo (ou principalmente) para os espectadores.