O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

Leia a apresentação de Manuel Madureira

MANUEL MADUREIRA, DIABLES NOIRS (Rep. Congo)

«Caros leitores,

Certo dia viajámos de Brazzaville para Pointe Noire, a 700 km da capital, para o primeiro jogo do campeonato.

Do aeroporto para o hotel fui transportado num Land Cruiser, último modelo, cor preta e vidros fumados. Os jogadores foram num mini-bus e a restante comitiva em táxis.

Para grande surpresa minha, fiquei instalado num hotel de cinco estrelas, a 15 kms do local onde foram instalados os jogadores. Os dirigentes, foram também instalados numa outra unidade hoteleira de duas estrelas, a cerca de 4 kms dos atletas.

Caso insólito.

A primeira ideia que me ocorreu foi que talvez houvesse falta de vagas hoteleiras. Continuando com o raciocínio, pensei que talvez fosse falta de organização. Mas, lá permaneci no hotel MAROCAIN, tipicamente marroquino, até à hora do jantar.

Depois de ter jantado, solicitei o motorista e desloquei-me, um pouco contra a vontade do aludido condutor, ao local onde se encontravam os

jogadores.

Fiquei estupefacto com o cenário do alojamento para uma equipa que jogou o Campeonato Nacional da D1 e a Champions League Africana.

Encontrei os jogadores alojados numa pensão de fracos recursos, sem energia elétrica, funcionando um pequeno gerador de corrente (apenas durante a noite - até à meia noite), empestada de mosquitos, sem mosquiteiros, sem ar condicionado, sem agua potável, enfim, uma calamidade para uma equipa profissional de futebol.

Passei uma revista detalhada e verifiquei também que os jogadores não tinham camas para se deitarem, apenas colchões de espuma no chão, sem lençóis nem almofadas.

Nem queria acreditar, sobretudo no contraste entre o que vi e o local onde eu fui instalado. Fiquei perplexo e liguei de imediato ao presidente do clube, o General

Jean François Ndenguet, Comandante Geral da Policia da Republica do Congo.

Perante o que lhe narrei, calmamente disse:

«Coach, aqui no Congo é assim. Não adianta meter os jogadores em bons hotéis. São uns vândalos, destroem tudo. Damos-lhe camas e eles metem os colchões no chão. Não sabem comer de faca e garfo. Como tal, não gasto dinheiro com quem não merece».

Perante a minha insistência de querer ficar junto da equipa, disse:

«Coach, não é uma boa ideia. Esta malta tem uma cultura muito própria e se estiveres junto dos jogadores vais ter problemas. Isso pode prejudicar a vossa relação e a performance deles. A mim só me interessam as vitórias. Prefiro que fiques no hotel que te reservei e que estejas com eles só nos treinos e nos jogos».

O homem continuou.

«Não te preocupes com esses detalhes. É assim que eles são campeões. Se lhes der mais do que isto não resulta e as derrotas farão parte do dia-a-dia dos Diable Noirs. Limita-te a fazer o trabalho técnico, físico e psicológico. O resto deixa comigo. Foi assim que ganhámos o campeonato no ano passado e voltaremos a ganhá-lo este ano».

De facto, o meu presidente tinha razão. Ganhámos tudo. Campeonato, Taça e Supertaça.

Jamais esquecerei o nosso Estádio Massamba Débat, com capacidade para 60 mil lugares, mas que em dia de jogos ultrapassava a lotação em mais de

10 mil. Os bruás quando um golo iminente era falhado, as danças e cantares africanos.

Enfim, marcos de passagem por terras do interior africano.

Por hoje fico por aqui.

Manuel Madureira»

Os Diable Noirs na Liga dos Campeões: