Numa edição em que destacamos a experiência da seleção portuguesa que vai marcar presença no Mundial 2014, é interessante explorar o percurso de um elemento com números antagónicos: Ricardo Costa chega ao terceiro Campeonato do Mundo com apenas 1099 minutos de utilização na equipa das Quinas.

Para salientar as diferenças, eis o índice de utilização do outro internacional português que chega ao terceiro Mundial: 8531 minutos de Cristiano Ronaldo com a camisola nacional.

Afinal, qual é o segredo de Ricardo Costa? O defesa português fez a sua estreia pela seleção principal em 2005 e foi reforçando a sua posição no grupo, embora tenha sido encarado invariavelmente como uma solução de recurso.

Aos 33 anos, o jogador do Valência apresenta um registo impressionante na seleção: esteve no Mundial 2006, falhou o Euro2008, voltou para o Mundial 2010 e esteve ainda no Euro2012. No total, apenas 17 internacionalizações. Mas ele estava lá, habitualmente no banco, para o que fosse preciso.

«Antes de mais, como o Paulo Bento disse recentemente, o Ricardo é um excelente central, pode jogar como lateral direito, como lateral esquerdo e é importante no grupo. Dá o que tem e muitas vezes o que não tem. Já teve algumas lesões mas sacrifica-se, nunca se queixa.»

Pedro Oliveira, antigo internacional sub-21 por Portugal, tem uma ligação muito próxima com Ricardo Costa. Em entrevista ao Maisfutebol, salienta o espírito de missão do jogador.

«No início da época, por exemplo, ele olha logo para o calendário. Vê o calendário do seu clube mas também da seleção. Prepara-se em função disso, porque a seleção para si é o auge. E posso garantir-lhe uma coisa, pelo que conheço do Ricardo: nunca será jogador de renunciar à seleção. Só sai de lá quando a seleção quiser.»


«Ricardo ficou como culpado do golo de Villa em 2010»

Ricardo Costa é um produto da formação do Boavista e afirmou-se como uma opção segura no FC Porto, entre 1999 e 2007. Pelo meio, o defesa-central foi convocado por Luiz Felipe Scolari para o Mundial da Alemanha.

No torneio de 2006, foi utilizado apenas no jogo de atribuição de 3º e 4º lugares, frente à seleção anfitriã. Noventa minutos num duelo pouco feliz (3-1). No Europeu seguinte, Ricardo Costa não foi chamado. Foi a exceção à regra, apesar de uma temporada regular no Wolfsburgo.

Carlos Queiroz viria a convocar o jogador para o Mundial da África do Sul, o seu segundo. Nessa altura, representava o Lille. Portugal empatou com a Costa do Marfim e garantiu uma goleada histórica (7-0) frente à Coreia do Sul.

No último jogo da fase de grupos, frente ao Brasil, Queiroz lança Ricardo Costa como defesa direito. Antes, utilizara Miguel e Paulo Ferreira. A seleção empata e percebe-se, nos oitavos-de-final, que Ricardo estava a ser testado para uma missão espinhosa: travar David Villa.

Espanha afasta Portugal da competição. Villa marca o tento solitário ao minuto 63 e Ricardo Costa recebe ordem de expulsão ao cair do pano.

«Isso do Villa é o exemplo do que o Ricardo é. Jogou onde lhe disseram para jogar, cumpriu mas toda a gente o criticou. Ele ficou como culpado do golo do Villa em 2010 e não reclamou. Mas até José Mourinho, nessa altura, disse que o Simão Sabrosa devia ter acompanhado a jogada e fechado como lateral. A expulsão, por outro lado, foi injusta e já em cima do final, não mudou nada.»



O sim para a saída e as lágrimas no adeus à Europa

Após o Mundial, Ricardo Costa assinou pelo Valência. Na segunda temporada, entrou para o grupo de capitães na equipa ‘ché’ e, no final desta, voltou a representar Portugal numa grande competição: o Euro2012.

O defesa não jogou no torneio nem se queixou. Pensa sobretudo no êxito do coletivo.

«Não é nada egocêntrico, é altruísta e representa aquele espírito de grupo que se pretende para chegar ao sucesso. Não é por acaso que foi capitão no FC Porto e no Wolsfburgo, teve influência no balneário do Lille em apenas seis meses e chegou também a capitão do Valência.»

Pedro Oliveira, atual jogador do Créteil-Lusitanos (Ligue 2 de França), admite que a rábula de 31 de janeiro de 2014 é elucidativo. O Valência mexe-se em várias frentes no mercado de transferências e uma envolveria a transferência de Ricardo Costa para o Besiktas.

Ricardo Costa aceita a mudança para não prejudicar o processo. No entanto, tudo cai por terra nas últimas horas e o central fica.

«Nessa história, que dava um livro, ele deu mais um exemplo de humildade. Tanto que o próprio presidente do Valência retratou-se e disse que tinha um grande capitão no clube.»

Talvez por isso, o jogador não conseguiu segurar as lágrimas quando teve de falar sobre a eliminação tardia nas meias-finais da Liga Europa, frente ao Sevilha. Deu a cara mas cedeu às emoções.



O mais velho da seleção e a importância da experiência

Ricardo Costa terminou a época com 32 jogos pelo Valência e 4 golos. Nesta segunda-feira, viu o seu nome na lista final para o Campeonato do Mundo de 2014. Será a terceira aparição.

O defesa celebrou o seu 33º aniversário na passada semana e chegará ao Brasil como o jogador mais velho do grupo. Uma rodagem fundamental, segundo Pedro Oliveira.

«Sinceramente, até me faz confusão que o Ricardo seja o mais velho. Se virmos as maiores seleções de sempre, tinham vários jogadores com mais de trinta anos. Ainda bem que estamos a dar passos nesse sentido, porque uma prova como o Mundial é mais mental que física. Não basta ser jovem, não se trata apenas de fintar ou correr muito. É preciso sentir a responsabilidade, o hino, saber o que e quando fazer.»

Pedro Oliveira conclui o raciocínio com uma mensagem curiosa e importante.

«Antes de mais, estamos lá. As pessoas às vezes esquecem-se disso. Eu ainda me lembro de, em 1994, ir para a Foz festejar a vitória dos brasileiros porque era o que restava, não havia Portugal no Mundial. A Geração de Ouro deu o seu contributo para a mudança e esta do Ronaldo está a fazer com que estejamos sempre, sempre lá. Ainda bem.»