CAMINHOS DE PORTUGAL é uma rubrica do jornal Maisfutebol que visita o dia-a-dia de determinado clube dos escalões não profissionais. Tantas vezes na sombra, este futebol em estado puro merecerá cada vez mais a nossa atenção. Percorra connosco estes CAMINHOS DE PORTUGAL.

O ELVAS CLUBE ALENTEJANO DE DESPORTOS (CNS, SÉRIE G)

Badajoz continua à vista, as muralhas em polígono resistem à austeridade, o futebol sobrevive ao isolamento e à penúria financeira. A vida em Elvas sopra devagar, como se a urgência da sociedade moderna se esquecesse da bela cidade alentejana.

No Campo Domingos Patalino, também a memória não tem pressa. Robusta e orgulhosa, fragmentos de uma história que já passou cinco vezes pela I Divisão Nacional.

O Elvas – Clube Alentejano de Desportos é embaixador maior da região e filho querido das gentes da terra. Sétimo classificado na época de 1947/48, nono e 13º nos anos imediatamente seguintes.

LEIA TODA A REPORTAGEM SOBRE O ELVAS: há Basaúla e um galês


Ao hiato de 40 anos em escalões menores, o clube respondeu com mais duas presenças na I Liga: o 16º e último posto de 1986/87 foi salvo pelo alargamento. O adeus ocorreu com o 15º lugar de 1987/88.

«Infelizmente, nunca mais teremos O Elvas a esse nível». A sentença, feroz, parte do historiador oficioso do clube, o senhor Mário Ferreira. Dirigente nos melhores e piores momentos, nas celebrações e nos desgostos.

Ninguém conhece tão bem a essência deste monstro alentejano. «Fiz parte da direção nessas últimas presenças na I Divisão e continuo a fazer. No final do mandato atual vou ganhar juízo e afastar-me de vez. Já chega».

O Elvas-Sporting, 0-0 (87/88):



O Elvas, década de 80. «Basaúla, Crispim, Bartolomeu, Carrasco, Ulisses Morais, Vítor Pontes, Luís Castro, sim o treinador do FC Porto B». Tempos felizes, de fartura e «muito investimento» no clube de futebol.

«Os três grandes vinham cá jogar e passavam dificuldades. O estádio enchia sempre, os cafés, os restaurantes e as lojas também. Elvas tinha uma alegria que se perdeu. É a porra da crise», desabafa Mário Ferreira ao Maisfutebol.

O clube compete no Campeonato Nacional de Seniores, após o título no distrital de Portalegre. Os resultados são maus e a luta pela manutenção duríssima. O que correu mal nas últimas décadas? Mário Ferreira tem a resposta na ponta da língua.

«O surgimento do Campomaiorense na década de 90 prejudicou-nos. O dinheiro mudou de Elvas para Campo Maior. Mais tarde tivemos uma brutal crise imobiliária, arrasou a cidade», identifica o dirigente do emblema alentejano. Mas há mais.

«Deixou de ser fácil arranjar patrocinadores. Só a autarquia contribui para o nosso orçamento. Os resultados este ano também não ajudam e isso deve-se ao nosso escasso terreno para recrutamento. A equipa é 90 por cento igual à anterior, tudo malta da região. Quem quer vir jogar e viver para Elvas quando não há condições para bons salários?»

Poucos, de facto. Há três exceções. O clube foi buscar há um mês três atletas da zona de Lisboa: Rui Cardoso (ex-Atlético), Valdemar Mané e Thomas Gregg (ex-Lourinhanense). O último nasceu no País de Gales e passou dois anos no Sporting.

«Não vamos deixar o Elvas cair nos distritais. Estamos numa má fase (dez derrotas seguidas), mas o campeonato pára esta semana e vamos refletir. Este clube merece estar nos nacionais», diz Thomas Gregg ao nosso jornal.

Reflexão. Mário Ferreira concretiza. «Ou investimos ou descemos. Temos de decidir. Pagamos salários baixos, mas entre ao dia 28 de cada mês o dinheiro está na conta dos jogadores. As pessoas que gerem o Elvas, como o presidente Joaquim Santos, são sérias».

O Elvas-V. Guimarães (86/87):



1000 sócios representam a entrada de 1200 euros mensais nos cofres. Pouco, muito pouco. «Nesta altura é preferível jogar fora do que em casa», dispara Mário Ferreira. «Organizar um jogo em casa, com polícia e bombeiros, obriga-nos a gastar 1100 euros. Ao menos as viagens aos Açores são comparticipadas totalmente pela FPF».

São ou serão? «Serão, esperamos nós. Esta época ainda não recebemos nada e já fomos três vezes ao arquipélago. É uma loucura. E os resultados, lá está, não ajudam a ter mais pessoas a apoiar-nos».

Thomas Gregg, extremo à procura de golos, confirma os problemas desportivos. «Perdemos em casa por 0-4 no domingo. Temos de dar a volta, as pessoas da cidade adoram o clube».

Campomaiorense-O Elvas nos distritais de Portalegre:



Época 1987/88. Qualquer semelhança com a atualidade é pura coincidência. Benfica e Sporting regressam a Lisboa só com um ponto e o zero a zero na cabeça. O FC Porto campeão europeu sofre, sofre e lá triunfa por 2-3: golos de Sousa, Geraldão e Semedo para os dragões; Bráulio e Basaúla marcaram para o Elvas.

Basaúla, Basaúla, que grande jogador era Basaúla. Por onde andará? Pesquisa, telefonema, pedido de amizade numa rede social e… cá está Basaúla. «Vivo na Amadora, trabalho na Associação Inter-Cultural de Desporto da câmara e treino uma equipa de jovens».

48 anos, memórias «fantásticas» do Elvas e muitas histórias para contar. Basaúla Lemba ao Maisfutebol. «Essa foi a minha melhor temporada em Portugal, em termos individuais. Foi a confirmação de que podia apostar no futebol profissional», refere o ex-avançado, nascido no antigo Zaire.

E esse golo ao FC Porto? «Grande golo, grande pontapé. Tabelei com o Bartolomeu e rematei de pé esquerdo. O Mlynarczyk bem se esticou. Foi pena a descida no final da temporada, tive de voltar ao Vitória Guimarães, que me emprestara ao Elvas».

O Elvas desespera por novos Basaúlas. Por vitórias, por mais receitas. Em 30 anos tudo mudou belíssima cidade do Alto Alentejo. «Nesses dois anos na I Divisão acabámos com um lucro de cinco mil contos [25 mil euros] e mais de três mil sócios inscritos».

Tudo mudou? Não. Badajoz continua à vista, as muralhas de pé e o futebol vivo.

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