Sou um rapaz de várias dúvidas e poucas certezas. Menos uma: quem eternizou que este é um país de brandos costumes estava seguramente a olhar para um sportinguista. É que nenhuma outra espécie de gente aceita com tanta normalidade as injustiças da vida.
O adepto do Sporting é pessoa para estacionar na rua, levar com o lixo da toalha do vizinho e pensar que já estava mesmo na altura de lavar o carro. Fica aborrecido com essa gente que não faz a reciclagem e vai num salto à bomba de gasolina.
Por isso o Sporting é goleado em casa com o mundo a ver e o máximo que pode achar é que foi vergonhoso. Admite que sim, que foi um dia mau, péssimo até e aceita que importante é dar a volta. Como se a história não tivesse ficado manchada.
O sportinguista tem uma capacidade tão pura de relativizar que até se torna contagiante. Num instante toda a gente pensa como ele. «Foi um mau dia». «São coisas que acontecem». «É o futebol». Sente o mundo fazer-lhe um cafuné e olha em frente.
Enfia a cabeça no travesseiro, espera que a dor passe e que os outros esqueçam. Dois dias depois já é passado. Até que aconteça outra vez. Esta temporada, por exemplo, já conta três goleadas. A má notícia é que a época só vai a meio, é prematuro fazer contas.
Eu sei que as comparações são perigosas, mas vou arriscar, leitor. Num exercício puramente especulativo. Vamos imaginar que a goleada nos oitavos-de-final, em casa e perante o mundo, tinha acontecido num clube da real elite europeia?
Está a imaginar? Pois, eu também. Estou a imaginar o barulho que não teria criado. Ou as cabeças que não teriam rolado. Assim ao longe, parece-me a diferença entre um clube que faz os jogadores sentir o peso do símbolo da camisola e outro que não o faz.
Porque no fundo também me parece ter sido isso que aconteceu. Os jogadores perderam o sentido de responsabilidade. Paulo Bento acha que quebraram animicamente na parte final. É perfeitamente humano. Mas no Sporting sucede com uma frequência desumana.
Onde queres chegar, Sérgio?, pergunta o leitor. Concordo com a pergunta, mas discordo da colocação educada do nome no fim. Tenho dúvidas em relação a uma vírgula e estou contra o ponto de interrogação. Um momento. Vou tomar os comprimidos, volto já.
Agora sim, leitor. Para concluir. Um clube que quer afirmar-se de verdadeira dimensão europeia, como parece ser o caso, não pode permitir que humilhações destas se repitam. Mas sobretudo não pode deixar que passem incólumes.
«Box-to-box» é um espaço de opinião da autoria de Sérgio Pereira, jornalista do Maisfutebol, que escreve aqui todas as semanas