Em ano ímpar não há Europeu ou Mundial, mas nem por isso deixámos de viver intensamente alguns jogos memoráveis. Em Portugal e no estrangeiro, eis a nossa escolha:

27 de janeiro:
Cabo Verde-Angola, 2-1

Há jogos que, se fossem transformados em argumentos de cinema nunca chegariam a filme, por contarem uma história demasiado improvável. Foi o que aconteceu na primeira participação caboverdiana na Taça de África das Nações. Comandada por Lúcio Antunes, com vários nomes bem conhecidos dos adeptos portugueses, os «Tubarões Azuis» já tinham surpreendido meio mundo ao empatar na estreia com os organizadores sul-africanos. Depois de novo empate, com Marrocos, a equipa precisava, na última jornada, de vencer Angola e esperar que os marroquinos não batessem os sul-africanos. Mas a cinco minutos do fim, nenhuma das condições se verificava: em Port Elizabeth, Varela tinha acabado de empatar o jogo com os angolanos e em Durban Marrocos vencia por 2-1. De súbito, como no cinema, a África do Sul empata. Logo a seguir, já nos descontos de um empate que não servia a ninguém, Héldon, jogador do Marítimo, vê a bola à mercê do pé esquerdo e... o resto é lenda.



23 de abril:
Bayern-Barcelona, 4-0

Poucas vezes um jogo nos deixa tão claramente a sensação de nos proporcionar história em direto. Mas foi isso que aconteceu no Arena de Munique, na noite em que a melhor equipa dos últimos cinco anos passou o testemunho à nova melhor equipa da atualidade. Num jogo em que o Barcelona manteve 63 por cento de posse de bola, o Bayern tornou-o simplesmente inofensivo, permitindo apenas dois remates à sua baliza. Do outro lado, um bis de Müller, e mais dois golos de Mario Gomez e Ribéry deram tradução a um vendaval que nada teve de fortuito, como se confirmou uma semana mais tarde, no Camp Nou (0-3).



11 de maio:
FC Porto-Benfica, 2-1

Nunca se vira uma coisa assim: em 79 edições da Liga, não havia memória de uma decisão tão dramática. A uma jornada do fim, o Benfica, líder com dois pontos de avanço, ficaria com o título no bolso caso vencesse ou empatasse no Dragão. O golo de Lima, aos 19 minutos, pareceu encaminhar ainda mais os festejos para a Luz, mas um autogolo de Maxi Pereira (26) foi o primeiro sinal de que o vento ainda podia mudar. Depois de uma segunda parte tensa, e com poucas oportunidades, que o Benfica parecia ter razoavelmente controlada, os suplentes lançados por Vítor Pereira assinaram um dos golos mais dramáticos da história do futebol português: Liedson passou, Kelvin chutou cruzado, Jesus ajoelhou no relvado e o título mudou de mãos. Estava a esgotar-se o minuto 91, (a bola passou a linha aos 90.57) mas para todos os efeitos nascia aí mais uma lenda, a da maldição do 92º minuto.

15 de maio:
Chelsea-Benfica, 2-1
E apenas quatro depois, o minuto 92 voltou a ser fatal para o Benfica. Ou talvez não, porque o golo de Ivanovic, que decidiu a final da Liga Europa, aconteceu no minuto 93. Mas, citando «O Homem que matou Liberty Valance», de John Ford, «quando os factos se tornam lenda, mais vale contar a lenda». Seja como for, o segundoraio fulminante abateu-se novamente sobre o Benfica nos descontos, depois de uma exibição convicente e personalizada, de uma equipa que tinha conseguido reagir à perda do título da melhor maneira – mas sem conseguir traduzir o bom futebol em golos. Na sétima final europeia perdida pelos encarnados, nascia outro trauma que viria a prolongar-se pela nova época: o das falhas na marcação à zona em pontapés de canto. O Chelsea agradeceu.

17 de maio:
Real Madrid-At. Madrid, 1-2 (a.p.)
Não foi o último jogo de José Mourinho no Real Madrid, mas foi o último capítulo de uma saga em três atos, que acabou mal. Perdida a Liga, a eliminação diante do Borussia Dortmund três semanas antes, nas meias-finais da Champions, tinha impedido que a saída anunciada de Mourinho se fizesse com a aura de vencedor intacta. Restava a final da Taça do Rei, como consolação, ainda para mais num dérbi madrileno em pleno Santiago Bernabéu. Mas o At. Madrid, renascido das cinzas pela mão autoritária de Diego Simeone, chegou à decisão com um grupo mais coeso, capaz de responder ao golo inaugural de Ronaldo, ainda antes do intervalo. Depois de algumas ocasiões perdidas, o Real foi perdendo intensidade e acabou por deixar-se surpreender, no prolongamento, por um golo de Miranda, com Cristiano Ronaldo a ver um cartão vermelho que simbolizava, de forma ainda mais evidente, o final de uma era.



25 de maio:
Borussia Dortmund-Bayern Munique, 1-2

Depois de terem eliminado Real Madrid e Barcelona, as melhores equipas alemãs oficializavam, no palco mítico de Wembley, o estatuto de melhores equipas da Europa. Intensa e movimentada, a final esteve à altura das expetativas. O Dortmund dominou a primeira parte, mas não foi capaz de traduzir o ascendente em golos e acabou por sucumbir ao segundo tempo mais intenso dos homens de Jupp Heynckes. Com 1-1 no marcador, quando tudo parecia encaminhar-se para o prolongamento, Robben, o azarado das grandes decisões, que já tinha falhado duas ocasiões claras, marcou o golo mais importante da sua carreira, coroando, muito justamente, os novos reis da Europa.

30 de junho:
Brasil-Espanha,3-0
Espécie de ensaio geral para a organização do Campeonato do Mundo, um ano antes do arranque, a Taça das Confederações não costuma permitir grandes conclusões desportivas. Mas a deste ano foi exceção à regra porque, na final entre as duas melhores seleções em prova, a relação de forças se alterou. A vitória clara sobre o campeão mundial e europeu, incontestável dominador no panorama das seleções dos últimos cinco anos, fez mais do que legitimar o estatuto de candidato de uma seleção brasileira reinventada por Scolari. Neymar, que brilhou a grande altura antes da viagem para Barcelona, e o ponta de lança Fred, um dos habituais coelhos tirados da cartola por Felipão, marcaram os golos numa final que teve contornos de passagem de testemunho. A confirmar daqui por um ano, com licença da Alemanha.



30 de agosto:
Chelsea-Bayern, 2-2 (4-5, gp)
Era difícil fugir ao rótulo, por mais voltas que se desse ao texto: depois da longa novela Barça-Real, este seria sempre o retomar dos duelos entre Guardiola e Mourinho, ainda que os dois treinadores tivessem muito pouco tempo para dar cunho pessoal às respetivas equipas. Em Praga, a oposição de estilos não desiludiu, dando-nos um jogo intenso e de desfecho imprevisível, para um excelente lançamento da nova época. Por duas vezes o Chelsea esteve em vantagem, por duas vezes o Bayern reentrou na discussão, a última das quais com Javi Martínez a fixar o empate no último minuto do prolongamento, já com os «blues» reduzidos a dez por expulsão de Ramires. Mourinho viu confirmado o mau registo das suas equipas nas decisões por penaltis, e Guardiola voltou a sair por cima, lançando a primeira pedra de um Bayern que, daí em diante, se mostrou implacável e conquistador.



9 de novembro:
Benfica-Sporting, 4-3 (ap)
No segundo dérbi lisboeta da temporada (o primeiro tinha-se saldado num empate em Alvalade, mais moralizador para o Sporting) cumpriu-se a tradição: os jogos de Taça costumam vir com brinde de golos e emoções fortes. Na Luz, a equipa de Leonardo Jardim foi claramente ultrapassada na primeira parte, por um Cardozo em estado de graça, a entrar para a lenda dos dérbis três golos em meia hora. Mas a reação dos leões, numa segunda parte empolgante, levou o jogo para prolongamento. Um dos melhores dérbis das últimas décadas acabou por ser decidido numa cabeçada involuntária de Luisão e num frango enorme de Patrício, numa altura em que a arbitragem de Duarte Gomes também se tinha tornado protagonista. Mas, para lá do desfecho, foi um daqueles jogos que ajudam a explicar às crianças por que razão gostamos tanto de futebol.

19 de novembro:
Suécia-Portugal, 2-3
A vantagem mínima da primeira mão, com um golo de Cristiano Ronaldo, permitia que Portugal decidisse o apuramento para o Mundial em condições vantajosas para uma equipa que dispõe do melhor avançado do mundo nas transições rápidas. Depois de algumas oportunidades perdidas na primeira parte, o intervalo soltou a fera: com um grande Moutinho a meio campo, três acelerações vertiginosas de Ronaldo destroçaram uma Suécia que, durante 15 minutos, às costas de Ibrahimovic, ainda pareceu capaz de ameaçar um final feliz. Depois de uma fase de qualificação pouco convincente, a vitória épica de Solna, com coroou o ano de ouro do capitão e permitiu à seleção abrir as portas do Brasil – tarde mas em grande estilo.

14 de dezembro:
Man. City-Arsenal, 6-3
Numa altura em que o rótulo de melhor campeonato do Mundo parecia ameaçado por uma Bundesliga em expansão, a Premier League responde da melhor maneira, com a competição mais aberta dos últimos largos anos, que chega ao natal com os sete primeiros separados por apenas seis pontos. Muito mérito nesse estado de coisas vai para o Manchester City, do estreante Pellegrini: depois de um início complicado, os «citizens» transformaram-se numa máquina goleadora. Depois do Tottenham, de Villas-Boas, foi o Arsenal a comprová-lo. A equipa de Wenger, dominadora nos primeiros meses da época, deixou de ser um líder em estado de graça após uma goleada que pôs a nu as primeiras brechas no balneário.



15 de dezembro:
Tottenham-Liverpool, 0-5
André Villas-Boas tinha resistido à primeira goleada épica (6-0 diante do Manchester City, novembro), mas já não resistiu à segunda, três semanas depois. Apesar do melhor registo de pontos e vitórias em toda a história do Tottenham, o destino do técnico português ficou traçado numa noite em que Luis Suarez mostrou todas as fragilidades da defesa dos «spurs», tendo rédea solta para exibir a sua melhor face em White Hart Lane, diante de um Tottenham completamente ultrapassado pelos acontecimentos.