P.S. (Para Seguir) é um espaço assinado pelo jornalista Nuno Travassos, que pretende destacar jogadores até aos 21 anos. 

À semelhança de Portugal, a Liga holandesa é uma porta privilegiada para um talento brasileiro entrar no futebol europeu. Ainda para mais se estivermos a falar de um clube como o Ajax, que concilia passado, presente e futuro.

Este contexto serve de rampa de lançamento para jogadores que têm potencial para outros patamares, mas não deixa de ser surpreendente a velocidade de crescimento que Antony tem alcançado na primeira época ao serviço do emblema de Amesterdão. Em 35 jogos realizados até ao momento, o internacional olímpico brasileiro soma 10 golos (se contarmos o tento ao Utrecht, na Taça, que ainda sofre um desvio) e outras tantas assistências.

Fiel às bases, promotor do futebol de rua, a ponto de o integrar nos treinos, o Ajax é a escola certa para um jovem que fintou as tentações da favela e tem crescido à medida da rápida ascensão.

Nascido em Osasco, em fevereiro de 2000, Antony entrou para o São Paulo com 11 anos. Esteve três vezes na lista de dispensas, mas estreou-se pela equipa principal no final de 2018. Ainda voltou aos sub-20 para disputar (e ganhar) a “Copinha” do início de 2019, mas foram precisamente as exibições no mítico torneio júnior que abriram, em definitivo, as portas da elite «tricolor».

Embora tenha sido promovido por Diego Aguirre, Antony só fez a estreia quatro dias após a saída do técnico uruguaio, frente ao Grémio, já sob o comando de André Jardine. Trabalhou depois com Vagner Mancini, que fez a transição para Cuca, e depois ainda foi orientado por Fernando Diniz, um técnico que acabou por ser relevante para suavizar a transição para o futebol europeu.

Antony foi contratado pelo Ajax em fevereiro de 2020, por uma verba-base a rondar os 16 milhões de euros. A mudança ficou reservada para meio do ano, mas a pandemia acabou por antecipar o último jogo pelo São Paulo, curiosamente disputado (em março) frente ao Santos, então treinado por Jesualdo Ferreira.

A paragem competitiva podia ter condicionado a adaptação de Antony ao Ajax, mas o avançado aproveitou esse período para preparar a mudança e ganhou sete quilos com um plano de fortalecimento muscular.

O impacto na equipa holandesa foi imediato: para além do golo na estreia, o avançado brasileiro somou cinco golos nos primeiros nove jogos. Contratado para assumir o lugar que pertencia ao marroquino Hakim Ziyech, vendido ao Chelsea, Antony não tem acusado a responsabilidade.

«Pressão maior era quando eu morava na favela e às nove da manhã ia para a escola e só comia alguma coisa às nove da noite. Isso sim é um pouco de pressão. Fora isso, nós adaptamo-nos», disse recentemente.

Antony sabe que é preciso maturidade para singrar no futebol europeu, e mostrou-a até na forma como lidou com uma paternidade inesperada, quando tinha ainda 19 anos. A companheira e o filho fazem parte da aventura holandesa, na qual tem contado ainda com o apoio do compatriota David Neres.

De olho na seleção brasileira, o antigo jogador do São Paulo ignora as rivalidades continentais para eleger Lionel Messi como ídolo. Também ele é um esquerdino virtuoso, com uma canhota moldada nos terrenos acidentados da favela em que cresceu.

É a partir da direita que se torna mais imprevisível. Encara o adversário a uma velocidade intimidante. Sem receios, mas também sem planos forçados. Por mais conveniente que lhe seja a finta para dentro, não abdica da capacidade para surpreender por fora, mesmo que admita que tem de dar maior utilidade ao pé direito. No contexto holandês tem estado mais perto da baliza, e isso já está a contribuir para a melhoria na capacidade de finalização.

Tem muito ainda para crescer, sobretudo do ponto de vista tático, na capacidade para explorar mais o corredor central, na sagacidade para jogar em espaços mais reduzidos, mas Antony vai deixando a sensação de que tem a maturidade suficiente para aprender esses passos sem perder o talento que desenvolveu em São Paulo.