Se fosse preciso um indicador para se perceber como as coisas mudam rapidamente no futebol, bastaria este: entre as 53 nacionalidades representadas nesta edição da Liga, no que se refere a jogadores utilizados, não se encontra um único futebolista búlgaro. E, no entanto, não é assim tão distante o tempo em que o talento made in Bulgária ajudou a mudar, para bem melhor, o nível do nosso campeonato.

A história tem um período bem definido e o mesmo cenário – o estádio de Alvalade - a abrir e a fechar. São 18 anos, entre 1982 – ano de chegada ao Sporting do pioneiro Kostov – e 2000, ano em que Ivaylo Iordanov, o último búlgaro a deixar marca significativa no futebol português, cumpriu o derradeiro de 222 jogos pelos leões, ao fim de nove temporadas, coroadas com um título de campeão ao cair do pano.

É verdade que, depois disso, mais seis jogadores da Bulgária atuaram no escalão principal português mas, a exemplo do infeliz Bojinov - protagonista de uma rábula inesquecível em Alvalade, não deixaram rasto de boas memórias.

Ao todo, o eixo luso-búlgaro brindou a Liga portuguesa com 42 nomes – a propósito, ainda se lembra de todos? - boa parte dos quais internacionais. E, muitos deles, de classe indiscutível, a ponto de, nos casos de Balakov (Sporting), Kostadinov (FC Porto) ou Mladenov (Belenenses), terem direito a enfileirar na elite dos melhores estrangeiros de sempre a passar pelos relvados portugueses.

Balakov

Teste: lembra-se de todos os búlgaros que jogaram no futebol português?

A verdade é que, por força do filão aberto por Kostov (que para obter a dupla nacionalidade se sujeitou, à época, a um casamento de conveniência) e também pelos bons contactos do empresário Lucídio Ribeiro, responsável por grande parte dessas transferências, entre os anos 80 e 90 – a fase dourada do eixo Lisboa-Sófia coincidiu com o período de maior afirmação internacional dos búlgaros, mais concretamente da geração liderada por Hristo Stoichkov, Bola de Ouro do France Football em 1994.

Mladenov

Refira-se, entretanto, que já antes disso a Bulgária tinha estado no Mundial de 1986, com uma seleção que forneceu excelentes valores às equipas lusas do meio da tabela. Além do incontornável Mladenov, estrela da companhia, também Radi Zdravkov (uma lenda para os lados de Chaves), o lateral Petrov (Beira Mar), o guarda-redes Mihaylov e o médio Sadkov (Belenenses), ou o artista Plamen Guetov (Portimonense) - um dos melhores especialistas em livres diretos a passar pelo campeonato português - deram cartas nos nossos relvados.

Depois, já com Balakov e Kostadinov como referências em Alvalade e nas Antas, uma célebre vitória sobre a França, no Parque dos Príncipes, em novembro de 1993, deu início ao ciclo de ouro do futebol búlgaro, com o ponto alto a ser o quarto lugar no Mundial dos Estados Unidos, depois de uma meia-final perdida para a Itália – ou melhor, para o génio de Roberto Baggio.

Kostadinov

Dessa vez Portugal estava, novamente, ausente dos grandes palcos. E foram muitos os portugueses que, à boleia de Iordanov, Balakov, Kostadinov ou do resistente Mihaylov, elo de ligação entre esses dois Mundiais, escolheram a seleção búlgara para apoiar nos relvados norte-americanos.

Um olhar pelo ranking da FIFA mostra como as coisas eram diferentes nessa altura: a Bulgária chegou a ser cotada como a 8º melhor seleção do Mundo, enquanto Portugal andava pela 25ª posição. Na atualidade, Portugal é 7º, e a Bulgária, que não voltou a participar numa fase final desde o Euro 2004, está na 70ª posição.

No início e no fim da lenda Eusébio

Refira-se, entretanto, que, clubes à parte, a Bulgária se cruza também com o destino da seleção portuguesa em vários momentos importantes. Desde logo, por ter sido o segundo adversário dos Magriços, em 1966, num jogo em que a vitória portuguesa por 3-0 garantiu o apuramento para os quartos de final – e permitiu a Eusébio, autor do segundo golo luso, iniciar a caminhada para o título de melhor marcador.

A Bulgária foi, também, o derradeiro adversário de duas lendas da seleção portuguesa, Eusébio e Simões, que vestiram pela última vez a camisola das quinas num empate (2-2) com os búlgaros, em outubro de 1973 – e, dessa vez, foi a Bulgária a fazer a festa, qualificando-se em Lisboa para o Mundial-74, na Alemanha.

Ao todo, o saldo entre seleções de Portugal e Bulgária é equilibrado: 12 jogos, com quatro vitórias lusas, três empates e cinco triunfos búlgaros, o último dos quais já com quase 35 anos (dezembro de 1981). Também é verdade que o último embate já foi há mais de 23 anos – jogou-se nos arredores de Paris, em novembro de 1992, e terminou com vitória portuguesa por 2-1. Num jogo que serviu para dois batismos importantes – estreias de Jorge Costa e Pedro Barbosa na equipa comandada por Carlos Queiroz – Luís Figo marcou o seu primeiro golo pela seleção principal e Oceano, de penalti, fechou a contagem. Pelo meio, o inevitável Balakov marcou o golo búlgaro – ele que, nesse jogo, privado de Stoichkov, teve ainda assim a companhia dos «portugueses» Kostadinov, Mihaylov e ainda do futuro benfiquista Iliev.

Os adeptos búlgaros devem ter saudades desses tempos, quando tinham tanto por onde escolher. Mas sejamos justos: os portugueses que apanharam o auge da ponte aérea Lisboa-Sófia, também.