«É o momento mais embaraçoso da minha carreira no futebol. Sinto-me envergonhado, e uso a palavra envergonhado porque estou a tentar mostrar respeito. Houve jogadores que desistiram do jogo. Sei quem são, e isso é muito importante para mim. Como sou uma pessoa responsável, preciso de ter muito cuidado com o que digo.»
Gustavo Poyet, treinador do Sunderland, após a goleada (8-0) sofrida com o Southampton, 18/10/2014

«Há uns tempos tivemos um péssimo dia no escritório, que não consigo afastar da cabeça. Hoje viu-se todo o trabalho defensivo das últimas cinco semanas e o mérito é todo dos jogadores. Este foi daqueles dias em que podíamos ter jogado três horas que continuaria a ser muito complicado sofrermos um golo»
Gustavo Poyet, treinador do Sunderland, após o empate (0-0) com o Chelsea, 29/11/2014

De saco de pancada a muralha intransponível em apenas 42 dias. Foi esse o período necessário para a transformação do Sunderland, após um dos resultados mais embaraçosos na história da Premier League, e para o treinador uruguaio - «Gus» para os amigos, que são muitos no futebol inglês, pelo seu feitio extrovertido – voltar a ter êxito na fórmula anti-Mourinho.

O nulo deste sábado – que ganha mais significado pelo facto de ter sido o primeiro jogo desta temporada em que o Chelsea não marcou – junta-se a duas vitórias dos «black cats» nos embates anteriores. Ao todo, nas quatro vezes em que o Chelsea de Mourinho se cruzou com o Sunderland de Poyet, os «blues» só ganharam uma vez – um sofrido 3-4, na estreia, em 4 de dezembro do ano passado. Um saldo de valor, para mais tendo em conta que o Sunderland é, por tradição, uma equipa da segunda metade da tabela.

A primeira desfeita do técnico uruguaio a Mourinho aconteceu apenas treze dias depois desse embate – e ditou o afastamento do Chelsea nos quartos de final da Taça da Liga. O Sunderland seguiu para as meias e afastou o Manchester United, levando o clube à sua primeira final em mais de 20 anos. Nem a derrota em Wembley, perante o Manchester City, apagou a sensação de que a época de estreia de Poyet entre a elite do futebol inglês tinha sido um relativo sucesso, tanto mais que a permanência do Sunderland ficou garantida a duas jornadas do fim.



Mas o momento mais retumbante nessa temporada, que pôs Poyet nos radares dos «media» internacionais, aconteceu já depois da final de Wembley, quando a 19 de abril foi a Stamford Bridge, acabar com o recorde de 77 jogos caseiros de Mourinho sem derrota na Premier League (1-2). A derrota comprometeu de forma quase decisiva as esperanças do Chelsea em chegar ao título, e o final de jogo foi tempestuoso para o lado dos «blues», com Rui Faria a ser expulso e posteriormente suspenso por seis jogos.

Nada disso se refletiu na relação de Mourinho com o técnico do Sunderland, como contou o próprio Poyet: «Ele foi impecável, cumprimentou-nos a todos depois da nossa vitória. A verdade é que temos excelente relação e nunca tivemos uma palavra desagradável. Aliás, no passado já me tinha aberto as portas do campo de treinos do Chelsea», contou o uruguaio.

O apreço recíproco voltou a ficar patente na forma como Mourinho analisou o empate de sábado, valiorizando o pragmatismo do Sunderland: «Só uma equipa quis vencer e a outra tentou impedir-nos, mas esteve bem. Defender muito e bem não é crime, é estratégia e faz parte do jogo», admitiu o técnico português, respondendo indiretamente aos comentários como os que, no sábado à tarde, iam abundando pelas redes sociais:
 

 



No final do jogo, Poyet sustentou uma ideia parecida, por outras palavras, mostrando que o pesadelo dos oito golos em Southampton ainda está bem fresco na sua cabeça: «A equipa começa a ter gosto no trabalho defensivo bem feito. Toda a gente quer ter a bola, toda a gente quer jogar à Barcelona, ou à Bayern Munique, mas nós não podemos. Este foi um jogo muito importante para nos convencermos de que somos capazes de defender bem. Se o conseguimos com o Chelsea, conseguimos com qualquer outra equipa», sublinhou.


Poyet nos tempos do Chelsea


Uma abordagem recebida com fair-play pelos adeptos do Chelsea, que não esquecem a ligação afetiva de Poyet ao clube: médio combativo, de grande capacidade goleadora, o internacional uruguaio foi um dos meninos bonitos de Stamford Bridge entre 1997 e 2001, nos últimos anos da era pré-Abramovich. Nesse tempo, quando os «blues» estavam longe de lutar pelo título, Poyet deixou a sua assinatura na conquista de quatro troféus - Taça de Inglaterra, Charity Shield, Taça das Taças e a Supertaça Europeia de 1998, perante o Real Madrid, na qual marcou o único golo:



Ao todo, foram 49 golos em 145 jogos, numa altura em que a sua parceria com Zola produzia mais maravilhas, como esta, curiosamente conseguida diante do Sunderland:



Talvez por isso, os adeptos dos «blues» não o esquecem. E vão encaixando com assinalável fair-play a vocação de «Gus» para pôr pauzinhos na engrenagem de Mourinho. O próximo capítulo está marcado para 24 de maio, na última jornada da Premier League. Pelo sim pelo não, Mourinho e o Chelsea farão melhor em ter as contas feitas por essa altura.