«Acontece tudo no espaço de segundos. E são esses segundos que determinam se és um bom tipo ou um mau rapaz.»

Este «tudo» fala daquele momento em que o árbitro valida um golo que não devia ter validado, porque não percebeu o que realmente se passou, e o jogador se vê num dilema. Denuncio-me ou não me denuncio? São raros os momentos em que, na dúvida, o jogador decide que vai ser um bom rapaz. É desses momentos que vamos falar aqui.

A frase lá em cima é do alemão Thomas Helmer e ele sabe do que fala. Helmer foi o protagonista da polémica que introduziu no imaginário do futebol alemão o termo «Phantomtor», golo fantasma. Aconteceu em 1994, quando o árbitro validou um golo «seu», em que a bola nem chegou a entrar. Helmer disse esta frase agora, a propósito do inacreditável golo fantasma na vitória de sexta-feira do Bayer Leverkusen sobre o Hoffenheim.

Desta vez foi Stefan Kiessling quem ficou perante o dilema. O seu remate passou a rasar o poste, por fora. Mas, por uma inacreditável coincidência, a bola entrou por um buraco na malha da rede lateral da baliza. E que fez Kiessling? Hesitou, mas ficou calado. Depois do jogo pediu desculpa e disse que estava «destruído» com o que aconteceu.

O golo fantasma de Kiessling



No fim do jogo, o treinador do Bayer Leverkusen admitiu repetir o jogo. Afinal, como lembrou o próprio Sami Hyppia, não seria a primeira vez que um jogo era repetido na Liga alemã por causa de um erro destes. Aconteceu precisamente com o tal «golo» de Helmer, em 1994.

O golo fantasma de Helmer



O jogo foi repetido, mas nunca é bem a mesma coisa. Em 1994, o Bayern ganhou o jogo original ao Nuremberga por 2-1. Na repetição goleou, por 5-0. E o Nuremberga acabou despromovido, por causa da diferença de golos.

A história de Kiessling também não vai ficar por aqui. O Hoffenheim protestou o jogo, a Federação alemã anunciou que pediu esclarecimentos à FIFA e que irá seguir as indicações que receber. O árbitro Felix Brych, esse, vai curiosamente apitar o Milan-Barcelona da Liga dos Campeões, nesta terça-feira.

No caso de Kiessling ninguém do Leverkusen assumiu o erro enquanto decorria o jogo. O futebol está cheio de histórias assim, em que naquela fração de tempo em que têm de tomar uma decisão, os jogadores encolhem os ombros, fingem que não é nada com eles e seguem. Mas há exceções.

Algumas com protagonistas improváveis. Lembra-se, por exemplo, que o polémico Di Canio já ganhou um prémio fair play da FIFA por um ato impulsivo de desportivismo? Foi em dezembro de 2000. A poucos minutos do final de um Everton-West Ham, o guarda-redes da casa lesionou-se e ficou no chão. Na área, em excelente posição para receber um cruzamento e chutar para a baliza vazia, Di Canio pagarra a bola com a mão e para o jogo, para que Paul Gerrard possa ser assistido.

Di Canio, ele mesmo



É coisa rara. Jogadores e treinadores tiram muitas vezes vantagem de situações destas. Por cá, é famosa a máxima de Jorge Jesus, dita enquanto treinador do Belenenses e repetida várias vezes depois disso. «O fair play é uma treta», diz Jesus, entre garantias de que as suas equipas não entram em combinações de cavalheiros como devolver a bola ao adversário depois de uma paragem para que um jogador seja assistido.

Digam isso a Miroslav Klose. Ele contrariou a regra não uma, mas duas vezes. Em 2005, quando jogava no Werder Bremen, disse ao árbitro para não marcar um penálti a seu favor, explicando que o guarda-redes adversário, do Arminia Bielefeld, tinha chegado à bola primeiro que ele. Recebeu um prémio fair play por causa disso. E disse isto: «É uma grande honra, mas irrita-me um pouco. Para mim, é algo que deviamos fazer sempre. Eu fá-lo-ia outra vez.»

E fez. Há pouco mais de um ano. No clássico com o Nápoles, 0-0 no marcador, o árbitro valida golo de Klose. Mas ele tinha marcado com a mão e foi dizer isso mesmo ao juiz, que voltou atrás na decisão.

Klose, duas vezes



O romeno Costin Lazar também recusou uma vez um penálti a seu favor. Foi num jogo entre o Rapid Bucareste e o Otelul Galati. Lazar disse ao árbitro que o adversário não o derrubou. Uma história presenciada por um surpreendido Cláudio Pitbull, agora de volta à Liga portuguesa.

Lazar abdicou de um penálti



E que dizer de Valter Birsa? O esloveno, agora no Milan, jogava no Auxerre em 2009. Num jogo com o Marselha, Birsa cai depois de uma disputa de bola com Bakary Koné. O árbitro mostrou cartão vermelho ao defesa, mas Birsa foi dizer-lhe para não o expulsar, que tinham ambos saltado à bola e Koné caira involuntariamente sobre ele. O árbitro voltou atrás com a decisão.

E que dizer de Birsa?



Depois, há decisões coletivas da equipa para repôr um erro. A mais famosa de todas envolve o Arsenal. 1999, jogo da Taça de Inglaterra com o Sheffield. Bola fora para um jogador do Sheffield ser assistido, na reposição Nwanko Kanu recebe-a, na sua estreia no futebol inglês, sem perceber as circunstâncias. Cruza para Overmars, que marca golo.

Perante a enorme confusão que se seguiu e a indignação do Sheffield, Arséne Wenger e o Arsenal ofereceram-se, mal o árbitro apitou, para repetir o jogo. Assim fizeram. E o Arsenal venceu a repetição por 2-1, o mesmo resultado da partida original.

Arsenal-Sheffield, clássico



Memorável também o que aconteceu com as reservas do Ajax em 2005. Num jogo de Taça com o Cambuur, um então muito jovem Jan Vertonghen fez um golaço, quando apenas queria devolver a bola ao guarda-redes adversário. Vertonghen pediu desculpa e toda a equipa do Ajax ficou parada no reatamento, para permitir ao adversário marcar um golo. Coisa que o Cambuur fez, mas não foi à primeira.