É muito fácil associar o futebol, sobretudo os dirigentes de clubes de futebol, a coisas más.

É fácil sobretudo porque é quase sempre justo.

Muitas vezes, durante demasiado tempo, têm tomado más decisões. Quase sempre decisões que lhes são convenientes, mas que prejudicam o futebol e, um dia perceberão, logo os clubes que representam.

No entanto, o totonegócio, na sua origem, não me parece um desses casos.

Na prática, o totonegócio foi uma maneira de o poder político da altura resolver um problema do futebol.

O poder político sempre teve uma relação de amor-ódio com o futebol. De resto, ainda assim é. Por um lado os ministros têm sempre tempo para uma fotografia (o ministro Relvas já vai no futsal, sinal de que nem tem assim tanto que fazer). Por outro lado gostam de usar o futebol para passar mensagens e dar lições.

Ora, como sabemos, os políticos são talvez os únicos que podem rivalizar com os dirigentes de futebol quanto a más decisões. Se olharmos bem, apesar de tudo o futebol está menos mal do que o país, o que diz quase tudo sobre as pessoas que têm passado pela política nas últimas décadas.

Arrumada a tentativa do ministro Relvas de pregar a moral à custa do futebol, regressemos ao problema concreto.

O totonegócio foi um acordo simples entre o Estado e os clubes que deviam. Fizeram contas ao dinheiro que os clubes recebiam do totobola e resolveram que durante anos esse dinheiro ficaria no Estado.

Estado e clubes ficaram convencidos de que era um acordo justo e que resolveria o tema. Pelo menos pareceram.

Do lado do futebol, o acordo foi cumprido. Aliás, há anos que a maioria dos clubes cumprem as obrigações com o Fisco e a Segurança Social. Caso contrário não jogam, como lembrava o presidente da Federação, Fernando Gomes.

Sucede que a meio do caminho o totobola deixou de dar o que se previa. Sucede muito na actividade económica. Fazemos previsões maravilhosas, e até com base razoável, mas depois a realidade dribla-nos.

No caso do totobola, sucederam dois problemas: a Santa Casa lançou o Euromilhões e o crescimento da internet trouxe as apostas desportivas.

Nem por isso de repente, o dinheiro do totobola deixou de chegar. A previsão não condizia com a realidade, ano após ano. E foi aqui que políticos e dirigentes de clubes tomaram a decisão errada. Uns e outros entraram em negação. E obviamente o problema não se resolveu. Pelo contrário, cresceu.

Aqui chegados, não vejo grande saída para a questão. Parece-me óbvio que o poder político tem pouco espaço para um totonegócio II. Também me parece que os clubes estão numa fase em que dificilmente conseguirão unir-se e criar um grupo de pressão realmente forte que impeça a falência de alguns dos emblemas devedores.

Um caso sem saída?

Visto de cima, parece.

No entanto, políticos e dirigentes de clubes são antes de mais sobreviventes. Alguns andam cá há décadas, a partilhar tribunas, almoços e espaço mediático. Para uns e outros, é verdade que nunca a crise foi tão forte. Mas historicamente sempre encontraram forma de se entender. Nem que seja para a fotografia.

P.S.: Neste caso, a saída até pode estar a ser tratada e o barulho mediático ser apenas a desculpa perfeita. E se, por exemplo, de repente o poder político legalizasse as apostas? Os clubes querem, as finanças também agradeceriam os impostos suplementares que hoje lhes escapam. Enfim, é uma ideia.