*Enviado-especial ao Euro 2016

Saint Étienne acordou fria para o Euro 2016. O Portugal-Islândia trouxe-lhe calor e ânimo por um dia.

As faixas azuis-euro bem marcavam o caminho para as fanzones e para o Estádio Stade Geoffroy Guichard, mas a verdade é que a cidade pouco pareceu beber da dinâmica de ser uma das cidades-sede do Campeonato da Europa. Os autocarros também traziam duas bandeirinhas à frente, uma islandesa e outra portuguesa, a lembrar o jogo que estava no cardápio para esse dia, mas seguiam quase vazios. O interesse era muito pouco.

Cristiano Ronaldo foi, obviamente, dos raros nomes que agitou a cidade, e não havendo qualquer hipótese de a Seleção Nacional voltar a Saint Étienne – terá apenas um jogo dos oitavos, que não cruza com as possibilidades de Portugal, e acaba aí a sua prestação no Europeu – a cidade deverá voltar rapidamente à sua vida pacata.

Emigrantes chegaram cedo ao Geoffroy Guichard.

Claro que a presença de portugueses a viver na região, cerca de nove mil, embora nem todos registados no Consulado, e a romaria ao hotel onde a Seleção ficou hospedada, obrigou os franceses a levantar um pouco os olhos da sua vida para ver o que se passava. Os que faziam jogging no parque em baixo paravam para perceber que raio se passava.

Portugal, ici?!

Franceses curiosos, que não de passagem, sempre foram poucos.

Os gritos com sotaque vincado de muitos anos fora ou de um português passado de geração em geração nas conversas de jantar, quase-histéricos, de Ronaldô, Ronaldô, Ronaldô, que se repetiram vezes sem conta quando se vislumbrou a presença do craque na varanda, ou quando a equipa nacional decidiu passear pelo exterior do hotel – mas ainda dentro do perímetro de segurança – serviram apenas um pouco para alertar os locais para uma nova realidade.

Quando os emigrantes eram vencidos pelo cansaço, já no final da noite, e enquanto os jornalistas já desmontavam o material depois de um longo dia de trabalho, a cidade voltava a manifestar-se com os aceleras de circunstância, que carregavam forte no pedal à frente do hotel e dos gendarmes, que não estavam lá para reagir a esse tipo de provocações.

Gare de caminhos-de-ferro foi um dos locais mais animados de Saint Étienne.

As primeiras inspirações a Euro surgiram na Gare de caminho-de-ferro de Saint-Étienne-Châteaucreux, onde desembocavam islandeses e portugueses, e aí ficavam para comer, tirar fotos e planear os próximos passos. Cruzavam-se, por vezes tiraram fotos juntos para as redes sociais. Um ambiente calmo, de gente que só veio ver a bola, e apoiar o seu país.

Os nórdicos aceleravam o batimento cardíaco do centro da cidade, invadindo restaurantes, vestidos de azul-islandês e com capacetes-de-chifre-de-viking. Cantavam as suas palavras de ordem, que mesmo para quem não conhece a língua reconhece aí palavras de apoio, de união, em torno de um objetivo. Um grito de guerra moderno, como se pedisse que do outro lado viesse um desafio para desatarem a cantar em definitivo.

Restaurante invadido por portugueses nas imediações do estádio.

Os portugueses circulavam. Chegaram cedo ao estádio, a 20 minutos daí, vindos também de quase todo o lado. Vestiram-se a rigor, carregaram a bandeira que muitos tiveram nas janelas em 2004, fizeram dela capa de super-herói. Espalharam-se pelo estádio, ocuparam o restaurante junto a um dos topos, os bancos que por aí havia, pintaram as caras, conviveram. Divertiram-se. Gritaram muitas vezes

Portugal, Portugal, Portugal!

Num país em plena convulsão social, que viveu o terrorismo, as cheias, as greves e até, já em pleno Euro, o hooliganismo, portugueses e islandeses mostraram como se deve viver uma grande competição.

Portugueses e islandeses lado a lado.

Se Lars Lagerback avisou em conferência de imprensa que França ia ficar a gostar dos pacatos islandeses, a verdade é que os portugueses, muitos a viver por cá, não ficaram atrás e ajudaram à festa, e a animar uma cidade fria, que estava a passar ao lado de um Campeonato da Europa.