SOS, sinal de alarme, chamem o Juary. No FC Porto [1985 a 1988] era assim. Se as coisas corriam mal, o plano A para a fuga ao perigo tinha só um número: o 13.

Placa levantada para a substituição, aí vai o velocíssimo brasileiro, baixinho e desconcertante. A expressão «arma secreta» nasceu na união entre o treinador Artur Jorge e o avançado Juary, o seu suplente dileto.

Juary nos anos 80, Hernâni na época 2018/19. A comparação é excessiva? Vamos primeiro aos números.

O extremo de Sérgio Conceição já fez quatro golos esta época, sempre a saltar do banco de suplentes e sempre decisivos. Na Europa só é ultrapassado por Paco Alcácer (Dortmund, 10 golos a sair do banco e Suleymanov, cinco) .

GOLOS DE HERNÂNI SAÍDOS DO BANCO:

Época 2018/19

1. Chaves, Taça da Liga: entrou aos 72’ e marcou aos 74’ (1-1, E)

2. Boavista, Liga: entrou aos 88’ e aos 90’ (1-0, V)

3. Moreirense, Liga: entrou aos 12’ e marcou aos 16’ (4-3, V)

4. Leixões, Taça: entrou aos 98’ e marcou aos 118’ (2-1, V)

Época 2014/15

5. Rio Ave, Liga: entrou aos 67’ e marcou aos 83’ (3-1, V)

TOTAL: cinco golos na condição de suplente

Juary com Madjer na homenagem aos campeões de Viena

O registo é suficiente para já ser o novo Speedy Gonzalez do FC Porto, rápido e letal? Juary pede mais tempo para avaliar o potencial sucessor.

«Olha, o Hernâni é rápido e está muito bem, eu tenho visto. Mas eu marquei três golos ao Barcelona e um ao Bayern na final de Viena, sempre a sair do banco. Acho que ele ainda não chegou a esse nível», diz Juary, 59 anos bem vividos, sempre espirituoso.

Juary sabe o que diz. Dos 19 golos marcados no FC Porto, 12 surgiram a partir do banco e só sete na condição de titular. Pormenor importante: quatro desses sete foram marcados ao Elvas, no último jogo da época 86/87.

O que pedia, afinal, Artur Jorge ao inesquecível Juary, a sua arma mortífera equipada com o número 13?

«O Artur dizia-me que a velocidade era para aproveitar quando os defesas já não estivessem frescos. Não sei se também é isso que o Sérgio Conceição pensa ao gerir o Hernâni. Nunca questionei o técnico por ser suplente ou titular, nunca. Aceitava as escolhas dele e aproveitava ao máximo o que ele me dava.»

GOLOS DE JUARY SAÍDOS DO BANCO:

Época 1985/86

1, 2 e 3. Barcelona, Taça dos Campeões: entrou aos 58’ e marcou aos 67’, 70’ e 89’
4. Est. Portalegre, Taça de Portugal: entrou aos 34’ e marcou aos 90’
5. Sp. Braga, Liga: entrou aos 79’ e marcou aos 89’
6. Belenenses, Liga: entrou aos 57’ e marcou aos 70’

Época 1986/87

7. Benfica, Liga: entrou aos 58’ e marcou aos 63’
8 e 9. V. Guimarães, Liga: entrou aos 56’ e marcou aos 75’ e 87’
10. V. Guimarães, Liga: entrou aos 45’ e marcou aos 47’
11. Brondby, Taça dos Campeões: entrou aos 20’ e marcou aos 70’
12. Bayern, Taça dos Campeões: entrou aos 45’ e marcou aos 79’

TOTAL: 12 golos na condição de suplente

VÍDEO: os três golos de Juary ao Barcelona em 1985

Na lista de Juary, há dois momentos particularmente marcantes. A final de Viena, quando substitui Quim ao intervalo e faz o segundo golo a dez minutos do fim, após brilhante jogada de Rabah Madjer; e o jogo contra o Barcelona, nas Antas, quando Artur Jorge o lança aos 58 minutos – sai Semedo – e Juary responde com um hat trick.

Primeiro, Viena. «Eu estava com o tornozelo direito inchado, sem condições nenhumas para jogar. O Artur Jorge pediu ao Rodolfo Moura para me deixar bem. Disse qualquer coisa como ‘o Juary não precisa de jogar muito tempo, 30 minutos bastam’.»

«Ao intervalo, o Artur abraçou-me e olhou-me nos olhos. Não falou muito. Só disse que sabia que eu estava limitado e que mesmo assim a minha velocidade podia ser decisiva. Assim foi.»

Quase dois anos antes, a 6 de novembro de 1985, a resposta de Juary é ainda superior. Três golos ao Barcelona em 32 minutos em campo. «Marquei logo dois quase seguidos, estávamos a esmagar o grande Barça. Ainda me anularam mal um golo e depois o escocês Steve Archibald estragou a noite. Marquei mais um perto do fim, mas não chegou. Acho que essa foi a minha primeira grande exibição no FC Porto.»

É nesse jogo, de resto, que nasce o mito da camisola 13. A favorita de Juary. «Antes de chegar ao Porto até não gostava do número, por superstição. Azar e essas coisas. Mas agora tenho uma saudade enorme do 13. Fiz três golos ao Barcelona e, claro, na final de Viena. Sempre com o 13 nas costas.»

Juary era um avançado mais do corredor central e dextro, Hernâni parte essencialmente da direita e é esquerdino. As diferenças existem, mas o antigo internacional brasileiro destaca sobretudo uma.

«O Hernâni tem características ótimas. Mas para ser uma arma secreta de verdade tem de marcar golos decisivos em jogos europeus. Nessa altura voltamos a falar.»

Desafio aceite, Hernâni?