«As raquetes estão para os tenistas como os violinos para violinistas.»

O mote, lançado por um membro da organização do Estoril Open, é confirmado depois ao Maisfutebol por quem percebe mesmo do assunto por dentro.

Rui Neves, 50 anos, é encordoador oficial no mais importante torneio de ténis português desde a primeira edição, em 1990. Pelos dedos dele, envolvidos por adesivos que comprovam que este ofício também acarreta sofrimento, já passaram raquetes de tenistas como Rafael Nadal, Novak Djokovic e Roger Federer, que confiaram nele a afinação dos instrumentos de trabalho.

Rui Neves começou a encordoar aos 14 anos, ainda no tempo das raquetes de madeira

Quando é abordado pelo Maisfutebol, ao início da tarde de sexta-feira, está a meio de um serviço de três raquetes para o francês Richard Gasquet, que ao final da tarde vai medir forças por um lugar nas meias-finais com o gigante sul-africano Kevin Anderson. «Agora também temos aqui as do Gilles Muller, do Taro Daniel e também já tivemos hoje as do Tommy Robredo, que entretanto foram entregues», diz.

Todas as raquetes utilizadas pelos tenistas do Estoril Open, ganho neste domingo pelo espanhol Pablo Carreño Busta, passaram por aqui. Até ao final da semana, a dois dias e meio do final do torneio, a contabilidade de Rui Neves ultrapassa já as 270 raquetes encordoadas, cada uma com 11 metros de corda, o que dá perto de 3 quilómetros. «Trabalhamos desde as 9 da manhã até às 8 ou 9 da noite. Andamos numa média de trinta e tal raquetes por dia.»

Rui Neves divide o trabalho com Pedro Neves (na foto em baixo), sobrinho a quem ensinou a arte de um ofício meticuloso e com especificidades diferentes para cada jogador, que recorre a este serviço em todas as rondas. Cada um trabalha numa máquina de encordoar eletrónica de 6 mil euros onde são encaixadas as raquetes e inseridas cordas com diferentes quilos de tensão, ao encontro da preferência do cliente. «O tenista que usou mais tensão este ano foi o Paul-Henri Mathieu, com 27,5 quilos, e o Del Potro usou 24/23. A média rondou os 22 quilos, mas o Aliaksandr Bury [tenista de pares] usa 18 quilos, o que é muito pouco», conta.

O encordoamento de uma raquete faz-se mais ou menos em 20 minutos. Curiosamente, a longevidade das cordas pode não andar muito longe deste tempo: a maioria dos tenistas opta por trocar de raquete sempre que há mudança de bolas durante os encontros, o que acontece após os primeiros sete jogos de serviço e, depois, de nove em nove.

Rui Neves joga ténis desde muito novo, mas nunca foi profissional. Começou a encordoar aos 14 anos. É do tempo das raquetes de madeira e de grafite; das máquinas de peso e elétricas; das cordas de tripa, dos monofilamentos e das estruturas híbridas. Acompanhou a evolução e desenvolveu a perícia. Em casos urgentes (exemplo de um tenista que pede para encordoar uma raquete durante um encontro) consegue despachar o serviço em pouco mais de 15 minutos, metade do tempo que demorava quando começou.

De todos os clientes que já teve desde a década de 90 no Estoril Open, Rui Neves não se esquece de um: o austríaco Thomas Muster, antigo número 1 mundial e vencedor das edições de 1995 e 1996 do torneio. «Ele jogava com a máxima tensão que a máquina permitia, que era 40 quilos. E precisávamos de ter muito cuidado a encordoar, porque havia um grande risco de as cordas se partirem durante o processo. Para ter uma ideia, quando passou por cá o Federer usou 21 quilos e o Nadal anda pelos 25», compara.

Mas desengane-se quem pensa que o mesmo tenista opta sempre pela mesma tensão. Se raquetes diferentes justificam pesos distintos, há outras variáveis que influenciam a escolha, desde o estilo de jogo, a superfície, o tipo de bola usada no torneio e o clima. «Quando há muita humidade, a bola torna-se mais pesada e a tendência é para baixar um pouco a tensão», esclarece o encordoador.

Pedro Graça, responsável em Portugal pela marca que patrocina tenistas como Serena Williams e Roger Federer e que fornece o serviço de encordoamento no Estoril Open, recorda-se de um aspeto curioso na primeira de duas vezes em que o suíço participou no torneio, em 2008. «Ele costuma ser sempre acompanhado pelo seu encordoador privado, mas nesse ano ele não o trouxe e trazia todos os dias oito raquetes para encordoarmos: quatro com uma tensão e quatro com outra. Ele saía para o court, escolhia as quatro a que se adaptava melhor e as que não eram utilizadas eram para trocar novamente de cordas. Não ficava nenhuma de um dia para o outro.»

Os tenistas tem muita sensibilidade, reconhece Pedro Graça. «Notam tudo! Por exemplo, depois de encordoarmos as raquetes pintamos nas cordas o logo com os patrocínios. Este ano já passou por aqui um tenista que passou a ser ele a pintar as cordas porque disse que as que saíram daqui tinham tinta a mais. Talvez sentisse que a bola agarrava mais no contacto com as cordas… Isso nunca me tinha acontecido.»

Insólito, mas nada que se compare com um hábito do treinador do antigo tenista russo Nikolay Davydenko, vencedor do Estoril Open em 2003, quando o torneio ainda era realizado no Jamor. «Quando ele vinha cá levantar a raquete, punha-a no chão e começava a saltar em cima das cordas para as amolecer e pô-las como ele queria.» Apesar de estranho, até para este hábito parece haver uma explicação. «Assim, a corda já ia um bocadinho aquecida, trabalhada.»

Números e curiosidades:

6.000: valor (em euros) da máquina eletrónica de encordoar da Wilson, usada por Rui Neves e Pedro Neves. É ergonómica. Foi concebida a pensar no trabalhador: adapta-se à sua altura e a todos os passos do processo de trabalho;

270: raquetes encordoadas até sexta-feira;

11: metros de corda necessários para encordoar uma raquete;

20: valor (em euros) pago por cada tenista pelo encordoamento de uma raquete. As cordas são levadas pelos jogadores;

22: tensão média (em quilos) das raquetes usadas no Estoril Open;

18: tensão mínima usada no torneio. Pelo bielorusso Aliaksandr Bury.