Robert Kasanga é uma personagem obrigatória no novo futebol inglês. Dias de crime no passado, redenção no presente. Da nova vida nasceu em janeiro de 2015 o Hackney Wick Football Club, um clube criado precisamente para salvar vidas.

Em quatro anos, o Hackney subiu do anonimato até à Middlesex County Football League – sétimo nível no futebol inglês -, roubou às ruas almas aparentemente condenadas, estabeleceu-se como ponto obrigatório na comunidade deste bairro dos arredores de Londres.

Sem surpresa, Bobby Kasanga recebeu uma menção honrosa nos Pride of Sports Awards pelo trabalho levado a cabo no Hackney Wick FC e nas ruas de Hackney. O Maisfutebol foi conhecê-lo melhor e perceber as motivações de um homem que aprendeu a perdoar e a indicar o caminho certo aos que se julgavam perdidos.

Bobby tinha 21 anos e jogava a um nível semi-profissional no Ashford FC. Fora dos relvados, passava as horas com o irmão mais velho num dos gangues mais perigosos de Londres. O dinheiro fácil levou-o para caminhos sangrentos, até ser apanhado pela polícia num assalto à mão armada. Falhado.

«Parece estúpido, mas eu via o meu irmão todos os dias com sapatilhas novas e caras. Isso exerceu um fascínio maligno sobre mim. Passei a fazer parte de um gangue com ele, a fazer muitas asneiras, até ao dia em que fui preso», conta Bobby Kasanga a partir de Londres.

Por «ingenuidade e ganância», Bobby entrou numa trajetória descontrolada no crime. «Eu era bom aluno, jogava aqui numa equipa dos subúrbios de Londres e tinha um emprego em part-time. Isso devia ter sido suficiente para mim, mas não tive inteligência para perceber isso. E caí.»

Robert Kasanga num treino dos escalões jovens do Hackney Wick FC

«Esfaquear um tipo só porque é de outro bairro tornou-se normal»

No fim de semana em que foi preso, Bobby Kasanga ainda entrou em campo. Perdeu 3-1 e, já no balneário, soube que um dos melhores amigos tinha sido assassinado por um gangue rival. Espiral de violência, raiva, vingança.

«Acabou mal, claro. Podia ter vivido uma juventude normal e acabei por estar oito anos na cadeia. O futebol salvou-me lá dentro e está a salvar-me cá fora», refere Bobby Kasanga, ansioso por dar mais detalhes sobre o seu clube.

«Sabe, na prisão, a malta porta-se bem só para ter o privilégio de jogar à bola no pátio. O futebol é uma ferramenta comportamental ou, se preferir, o prémio ambicionado por todos. Comecei a pensar nisso, a juntar as minhas ideias num bloco de notas – que já deu origem a um livro – e lembrei-me que na zona de Hackney não havia nenhum clube de futebol.»

Bobby Kasanga sabia «muito antes de sair da prisão» o que tinha de fazer para se reconciliar com a vida. Criar um emblema na zona de Hackney e utilizar o futebol na sociedade como o utilizava na prisão: uma oportunidade.

«As pessoas não imaginam o que se passa nos arredores de Londres. Esfaquear um tipo só porque é de outro bairro tornou-se normal. Na minha cabeça estava tudo definido: formar um clube para competir e, ao mesmo tempo, tirar das ruas miúdos que precisam de uma oportunidade. Além disso agarrei-me aos livros e tirei a licenciatura em Criminologia.»

O problema, confessa Bobby Kasanga, era o de sempre: dinheiro. «Mal saí da prisão fui trabalhar para uma empresa de restauração, no turno da noite. Fui muito claro com eles: ‘fui preso por assaltar bancos e magoar pessoas. Quero mudar. Podem ajudar-me?’ Juntei algum dinheiro e pedi a contribuição de algumas pessoas. Assim nasceu o Hackney Wick FC.»
 

Bobby (ao centro) no dia da visita a Downing Street

«O AFC Wimbledon é o nosso modelo»

O campo de recrutamento de Bobby não excluía nenhum dos 32 departamentos da região da Grande Londres. Nem nenhum rapaz que tivesse a passagem pela cadeia no currículo.

«A proposta era simples: ‘vens jogar connosco e, se tiveres sorte, podes ser profissional. Enquanto isso não acontece, meu amigo, tens de trabalhar’. Arranjámos empregos para dezenas de jovens nestes quatro anos e formámos 18 equipas dentro do nosso clube.»

18 equipas? «Sim, temos todos os escalões jovens e equipas masculinas e femininas. Movimentamos cerca de 300 atletas e todos eles têm um compromisso com a comunidade. É o nosso código de honra: ajudar, fazer voluntariado.»

O Hackney Wick FC movimenta-se no campo da solidariedade e, ao mesmo tempo, ganha jogos dentro do campo. Subiu dois escalões e olha para cima. Até onde pode ir este clube, afinal? Bobby Kasanga responde com um exemplo concreto.

«O AFC Wimbledon é o nosso modelo. Há 20 anos não existiam, agora estão na League One e vão construir um estádio. Olhando para onde estávamos há três anos e onde estamos agora… acredito que é possível chegar à pirâmide do futebol nacional.»

A vida de Robert Kasanga já deu um livro e chegará nos próximos anos à televisão, pois os direitos da obra foram vendidos a uma produtora multinacional. É uma história rara de superação, reconhecida um pouco por todo o Reino Unido. Até pelo número 10 de Downing Street.

«Fui convidado pela senhora Theresa May e levei dois dos nossos atletas mais exemplares. Dois rapazes que sobreviveram à prisão como eu e agarraram o lado bom da vida.»

VÍDEO: uma reportagem com Bobby Kasanga e o Hackney FC