Os momentos de pânico que se viveram domingo na Ucrânia, no jogo entre o Dnipro e o Dínamo Kiev, quando Oleg Gusev caiu e esteve quase a sufocar com a própria língua não terão sido muito diferentes daqueles que aconteceram na freguesia de Tamel S. Fins, em Barcelos.

No mesmo dia e por motivos muito semelhantes.

O jogo entre o Águias de S. Fins e o FC Negreiros, disputado na manhã de domingo e a contar para a II Divisão do Campeonato Popular de Barcelos, foi interrompido ao minuto 75 após um choque de cabeças entre jogadores das duas equipas que deixou Manuel Silva, do Negreiros, inanimado.

Se, na Ucrânia, foi o médio Kankava, do Dnipro, a evitar uma tragédia, em Barcelos o bombeiro de serviço foi Rui Lopes, o árbitro do encontro. A expressão não foi utilizada ao acaso: Rui Lopes é bombeiro há 22 anos e pode ter salvo a vida ao jovem de 21.

Nesta altura, as informações ainda não são, porém, completamente animadoras. Manuel Silva continua internado no Hospital de Braga, para onde foi transportado sendo diagnosticado com um traumatismo craniano. Tem vindo a melhorar progressivamente, tendo, inclusive, proferido algumas palavras.

Contudo, ainda não despertou. Saiu de campo inconsciente e assim continua. Marco Aurélio, presidente do FC Negreiros, explicou ao Maisfutebol a situação clínica: «Continua com prognóstico reservado. O termo técnico não é estar em coma, porque ele respira sem auxílio, mas ainda não acordou. Tem vindo a sofrer melhorias mas ainda não há qualquer previsão.»

O TAC realizado não mostrou, porém, «nada de muito grave», explica o dirigente. A solução é aguardar.

Mas voltemos a Rui Lopes, o herói de serviço. Nestes jogos não há polícia nem bombeiros no local. A ambulância demorou 25 minutos a chegar e o árbitro nunca deixou o jogador.

«Percebi logo que era grave pela queda após o embate. O outro jogador não teve nada, o Manuel caiu desamparado, como um peso morto. Ao cair já ia inanimado. Foi a dois metros de mim», descreve.

O árbitro-bombeiro não pensou duas vezes e entrou em ação. Teve o auxílio dos seus auxiliares, Alfredo e Vítor Oliveira, também eles bombeiros, do massagista da equipa de S. Fins e do capitão do Negreiros, todos com alguma experiência médica.

«Primeiro coloquei-o na Posição Lateral de Segurança (PLS) e meti-lhe a mão na boca porque apercebi-me que estava a sufocar com a língua», continua.

Rui Lopes lembra que a ausência de uma viatura médica nestes encontros é normal. «É assim nestes campeonatos Populares que há em vários concelhos. Há os massagistas das equipas mas a verdade é que muitos têm pouca experiência. A sorte foi estar ali eu e os meus assistentes. Três bombeiros», sublinha.

«Qualquer bombeiro, por mais experiente que seja, ficaria assustado»

Nestas situações, muitas vezes o problema é afastar todos os que, com maior ou menor experiência, sentem que podem ajudar. Rui Lopes destaca, contudo, a cooperação das duas equipas e da plateia.

«O ambiente era muito tenso, mas os jogadores afastaram-se e deixaram junto ao jogador apenas quem poderia prestar auxílio. Sentaram-se junto aos bancos de suplentes. O público, umas 400 ou 500 pessoas, estava num silêncio sepulcral», conta.

Desde que Manuel Silva caiu inanimado e saiu na ambulância rumo ao Hospital passaram uma hora e cinco minutos. Rui Lopes não o largou. «Ajudei os meus colegas a colocar o colar cervical e a prestar todas as manobras necessárias», explica.

«Fiz o meu dever como bombeiro. Se estou lá há 22 anos é mesmo para ajudar em situações como esta», assume.

Ainda assim, não esconde que os momentos iniciais roçaram o pânico. «Quando estou de serviço estou preparado para ir socorrer seja quem for. Sei que quando o telefone toca posso ir encontrar um familiar ou um desconhecido. Agora acontecer ao meu lado é diferente. Qualquer bombeiro, por mais experiente que seja, ficaria sempre assustado», garante.

E o jogo?

Como se disse, na altura do incidente o relógio apontava para os 75 minutos. O quarto-de-hora que faltava disputar ficou sem efeito.

«Por um lado as regras não o permitiam, porque só autorizam paragens até 30 minutos. Mas também, de qualquer forma, não havia condições psicológicas, nem dos jogadores, nem dos árbitros, para o encontro retomar. Os jogadores das duas equipas fizeram questão de dizer que não voltavam ao campo», conta Rui Lopes.

Em Negreiros o momento atual é de consternação e espera por boas notícias. «Não só no clube mas na freguesia toda. Nestes meios cria-se ligações muito próximas. Há muita gente a querer saber novidades, mas o remédio é aguardar», resume o presidente Marco Aurélio.

O clube já fez um treino depois do jogo, mas o ambiente continua pesado. Por decidir está ainda se entrará em campo na próxima jornada, já no domingo, desta feita no seu recinto. «Mas em princípio iremos jogar, até como homenagem ao Manuel», diz o dirigente.

Rui Lopes, esse, provavelmente voltará a apitar noutro campo, como voltou, também, ao serviço nos bombeiros, com sensação de dever cumprido e a satisfação de ver o seu gesto reconhecido.

«Tenho recebido inúmeras mensagens no Facebook a agradecer o que fiz, tanto dos jogadores como de outras pessoas. Fico contente mas é como digo: só fiz o meu dever de bombeiro», conclui.