PLAY é um espaço semanal de partilha, sugestão e crítica. O futebol espelhado no cinema, na música, na literatura. Outros mundos, o mesmo ponto de partida. Ideias soltas, filmes e livros que foram perdendo a vez na fila de espera. PLAY.

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«BOLA AO AR» - de Rui Miguel Tovar
«Os casos mais marcantes
As traições imperdoáveis
As situações caricatas e imprevisíveis
Os esquemas que dominaram os bastidores»

As quatro traves mestras do novo livro de Rui Miguel Tovar denunciam ao que vamos, mas escondem o essencial: o brilhantismo da escrita do mais louvável autor atual sobre/de futebol português. Esqueça lá o dérbi, vamos a isto.

O Rui reúne dois predicados raros, pelo menos em comunhão: juventude e conhecimento. Não é comum, aliás, alcançar o estatuto de ‘enciclopédia viva’ aos 40 anos. É raro, mas absolutamente certo neste exemplo em concreto.

Conheci o Tovar durante o Euro2012, tornámo-nos bons amigos – é importante sublinhar isto – e aprendi a admirar a sabedoria humilde, o conhecimento sereno e o humor refinado (herança paterna).

Neste novo lançamento, temos o privilégio de revisitar os episódios mais marcantes do nosso luso futebol, numa viagem que percorre quase 90 anos. Bastidores sombrios, personagens velhacas, cambalachos e aleluias.

Um dos meus favoritos, pela leveza com o que o Rui o relata, é este: «Pancada de meia-noite», FC Porto-Benfica de… 1933. 8-0 na Constituição.

«Laurindo Grijo, presidente da FPF e delegado ao jogo, dirige-se ao balneário do Benfica, cujo ambiente, como se esperaria, é o pior possível. Pergunta se é ‘preciso alguma coisa. Ele que não prestara assistência ao Benfica na visita ao Porto (…) O avançado Guedes Gonçalves não demora a responder e agride-o sem contemplações. Grijó tem de fugir para o campo (…) Um dos mais exaltados chama-se Eugénio Salvador.»

Quem? Eugénio Salvador?Aquele que foi um dos maiores e melhores atores e bailarinos portugueses? Confere.

Bravo, Rui!

SLOW MOTION:

«HANDS OF STONE» - de Jonathan Jakubowicz
Vida e carreira do pugilista Roberto Durán, panamiano, transportada para o grande ecrã. Oportunidade, mais uma, de reverenciar um dos maiores atores da história do Cinema, Robert De Niro.

Apesar de confinado a papéis menos apelativos nos últimos anos, De Niro, 73 anos, continua a ser um guru na arte de representar e pensar. Basta recordar as ameaças feitas ao agora eleito Donald Trump.

No filme, Robert De Niro é o mítico treinador Ray Arcel, mestre de Durán, interpretado por Edgar Ramirez. Uma visita ao mundo do boxe e às atribulações de Durán na ascensão ao topo do pugilismo.

PS: «I, Daniel Blake» – de Ken Loach
2016 acaba e mostra-nos um dos seus melhores filmes. Sim, uma película extraordinária, retrato perturbador dos corredores da burocracia (Segurança Social, Fundo de Desemprego) britânica. Um retrato que deve ser visto, revisto e compreendido.

O humorista Dave Johns tem ume representação notável na pele de Daniel Blake, toca-nos o coração e a alma. Aos 80 anos, Ken Loach volta a receber a Palma de Ouro em Cannes. Escolha acertadíssima.



SOUNDCHECK

«CANHOTEIRO» - de Fagner e Zeca Baleiro
Canhoteiro foi o Garrincha da ala esquerda, estrela do São Paulo entre 1953 e 1964, praticamente desconhecido na Europa e nos corações dos seguidores do futebol moderno. Artista do drible, José Ribamar de Oliveira não partilhava apenas os atributos técnicos com Mané. Morreu alcoólico e descamisado em 1974, com 41 anos.

Uma personagem a justificar maior reconhecimento.

«Um anjo torto
Um canhoteiro
Um São José de Ribamar
Um bailarino
Um brasileiro
Um Paraíba
Um Ceará

Um pé de ouro
Um peladeiro
Mata no peito e beija o sol
Balão de couro
Bola de efeito
Mas que perfeito é o futebol»



PS: «Out of Time (25º aniversário)» - dos REM
Este é, provavelmente, o primeiro álbum marcante da minha vida. Lançado em 1991, tinha eu imberbes 13 anos, tornou-se presença diária nos bons tempos da MTV e nas rádios nacionais.

'Losing My Religion' continua a ser uma composição perfeita, a voz de Michael Stipe, o bandolim de Pete Buck…

O disco vendeu inimagináveis 18 milhões de cópias, conquistou três Grammy e foi agora reeditado para celebrar os seus 25 anos. Oportunidade fantástica para relembrar o primeiro single, mas também ‘Near Wild Heaven’, ‘Radio Song’ e, a minha favorita, ‘Belong’.

Agora que penso nisso, aos 13 anos eu já ouvia música desta qualidade?

«PLAY» é um espaço de opinião/sugestão do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Pode indicar-lhe outros filmes, músicas e/ou livros através do e-mail pcunha@mediacapital.pt. Siga-o no Twitter.