Em 2010, Rui Vieira chegou ao Burkina Faso para treinar a seleção de sub-17 de um país que nem campeonato de juniores tinha. Menos de um ano depois, venceu o Ruanda na final do CAN (Campeonato Africano das Nações) e o dia em que regressou com a seleção ao país foi declarado feriado nacional. Pelo meio, ficaram episódios de dificuldades e emoções, que o treinador partilhou com o Maisfutebol.

«O país tem um relvado sintético e quatro campos relvados, não estou a falar da seleção, mas do país inteiro. Há umas limitações enormes. Tínhamos que nos preocupar com os jogadores se alimentarem bem, não apanharem paludismo... Todas as semanas tinha dois ou três jogadores com paludismo. Tinham que parar e tomar os medicamentos e depois lá voltavam», contou Rui Vieira no Fórum do Treinador, em Guimarães.

E os problemas começaram cedo. «Quando cheguei lá, deparei-me com um país sem campeonatos de juniores, sem organização nenhuma. Tive que organizar captações por todo o país. Havia miúdos a deslocarem-se centenas de quilómetros, sozinhos, para tentarem entrar na seleção. Escolhemos os melhores e depois fui reduzindo até ficar com 27 jogadores».

A camarata improvisada debaixo da bancada

A primeira grande competição era o Campeonato Africano das Nações. Após uma derrota por 4-2 na África do Sul, na fase de qualificação, a receção aos sul-africanos era um jogo crucial para o apuramento, mas a semana que o antecedeu foi marcada por um episódio insólito.

«Os jogadores estavam no centro de estágio quando alguém resolveu fazer obras nas instalações. E as obras nem eram urgentes. O problema é que, sem me dizerem nada, levaram os jogadores para outras instalações. E que instalações. Debaixo da bancada, numa divisão sem ar condicionado, e no Burkina Faso a média das temperaturas é entre os 38 e os 42 graus. Havia uma janela sem vidro por onde podiam entrar mosquitos, que são um problema sério por causa do paludismo...»

«Revoltei-me e fui falar com o ministro, que resolveu tudo. Mandou-os para um hotel, mas ainda estiveram dois dias ali», recorda Rui Vieira. Ainda assim, os percalços do estágio não se refletiram em campo. «Ganhámos 2-0», recordou o treinador.

Pedir a Rui Vieira histórias sobre a passagem pelo Burkina Faso só é complicado pela quantidade de episódios que marcaram o treinador. Ainda estava a terminar o episódio da bancada quando sorriu ao recordar outro. Foi no jogo seguinte ao da África do Sul. «Era o último jogo do apuramento e disputava-se na Ilha Reunião. Dessa vez a minha equipa só conseguiu estar junta três dias depois. Primeiro viajaram 12 jogadores, no dia seguinte mais quatro e no outro dia os últimos três».

A explicação resume-se a uma palavra: «Desorganização». «Como diz José Couceiro, em África, tudo o que é urgente demora 8 dias. Deixam sempre tudo para a última hora. Por isso não conseguiram que a equipa viajasse toda junta e acabavam sempre por pagar muito mais pelas viagens».

A vitória histórica

O apuramento foi conseguido e a equipa viajou (toda junta, dessa vez) para o Ruanda, para disputar a fase final da prova... e não só. «Houve jogadores que viram o mar pela primeira vez, andaram de escadas rolantes pela primeira vez, de avião...»

«Fomos para o campeonato africano sem grandes expectativas, mas fomos atingindo as nossas metas, sempre com uma vontade enorme de vencer. Atingimos a final no Ruanda e vencemos», contou Rui Vieira sem disfarçar a alegria. «Tenho emoção ao falar disto porque foi uma experiência fantástica».

«O dia do regresso foi feriado nacional. Puseram o avião presidencial à nossa disposição. Quando chegámos ao aeroporto, estavam milhares, milhares de pessoas à nossa espera, o Governo. Demorámos três horas e meia a percorrer 10 quilómetros, sempre com a multidão ao nosso lado. Em África, as coisas são vividas com outra intensidade».