A Seleção Nacional despediu-se de Portugal com uma barrigada de futebol: daquelas barrigadas cheias, intensas, gordas, que deixam uma pessoa completamente satisfeita.

É por isso de barriga cheia e paladar doce que a comitiva nacional se faz esta quinta-feira aos céus da Europa para viajar para França. Nesta altura, confesso, passou-me pela cabeça escrever que ia levantar voo, mas o rigor impede-me de o fazer: na verdade já levantou voo esta noite.

Começou a voar, é preciso dizê-lo desde já, nas asas de um cigano que colocou o país inteiro a cantar como os Gispy Kings: volare, cantare, felice de stare lassù.

Já fez mais do que Pedro Abrunhosa, portanto.

Confira a ficha de jogo e as notas dos jogadores

Ora feliz é exatamente como Portugal saiu do Estádio da Luz, feliz por estar lá cima, nas nuvens. Quaresma soltou o génio, espalhou magia pelo relvado e os sonhos da nossa ambição perderam a consciência da lei da gravidade: começaram a voar até onde cada um é capaz de os deixar ir.

Mas convém andar para trás para contar tudo desde o início. E andar para trás serve basicamente para sublinhar que Portugal chegou com meia hora de atraso ao jogo.

Já passava dos trinta minutos quando Quaresma começou a inventar futebol: num cruzamento da esquerda, com a parte de fora do pé, lindo, redondinho, direitinho, descobriu Ronaldo, que ao segundo poste cabeceou para golo. Um golo que mudou tudo, claro.

Raphael Guerreiro já tinha oferecido, antes disso, um remate perigoso a Moutinho, mas só depois desse golo de Ronaldo é que verdadeiramente Portugal entrou em jogo.

Porquê? Simples: porque esta seleção precisa de espaço para jogar como de ar para respirar.

Basicamente Portugal é uma equipa de transições rápidas, de movimentos bruscos, de mudanças de velocidade. Precisa de ter espaço no último terço do campo para acelerar o jogo e criar perigo. A prova mais óbvia é que a equipa joga sem um ponta de lança fixo: porque não tem jogo para ele.

No fundo, e com espaço para jogar, a equipa nacional torna-se um perigo: João Mário, André Gomes e Moutinho são muito fortes na construção ofensiva, Cristiano Ronaldo é rápido na desmarcação e forte no remate, Quaresma é decisivo na criatividade sobre as alas.

Ora por isso, e depois de abrir o marcador, Portugal fez três golos em dez minutos: Quaresma fabricou o primeiro com arte e marcou o segundo num chapéu soberbo, antes de Ronaldo bisar.

Na segunda parte, aí sim, a enxurrada foi enorme: a seleção teve ainda mais espaço, a Estónia foi perdendo a capacidade de continuar forte nas marcações, foi-se desgastando, foi-se desmoralizando, o que permitiu a Portugal aproveitar a terra de ninguém para fazer mais quatro golos.

Quaresma esvaziou a cartola: confira os destaques

Quaresma assistiu Danilo para o quarto e fez o sexto num remate cruzado, após passe de Renato Sanches, completando a obra perfeita: dois golos e duas assistências.

Cristiano Ronaldo fez também dois golos, João Mário duas assistências, Éder e Danilo um golo cada, mas a estrela da noite está no parágrafo anterior: como tinha feito em 2008, nesta mesma cidade mas noutro estádio, contra a Bélgica, Quaresma encheu o campo e espalhou magia.

Por causa dele a seleção despede-se de Portugal volando, cantando, volare, felice de stare lassù.

Que venha agora a competição a sério.