Dezasseis anos depois, a Seleção Nacional volta a jogar na Madeira: recebe no Estádio dos Barreiros a Suécia num encontro particular. Um jogo que é «uma homenagem ao povo da Madeira», tal como referiu Cristiano Ronaldo, ilustre filho da terra e maior embaixador do futebol português.

A ilha onde desabrochou uma das maiores pérolas do futebol mundial, foi também o sítio onde que se deram os primeiros toques numa bola em solo português no último quartel do século XIX.

No dia do reencontro do astro com o seu povo, o Maisfutebol apresenta-lhe um pequeno guia sobre o futebol madeirense: do antigo Largo da Achada ao novo Estádio Barreiros, de Pinga a CR7, passando por Leonardo Jardim e pelo ilustre trio de emblemas insulares entre a elite do futebol nacional.

Largo da Achada: aqui terá começado o futebol em Portugal

Largo da Achada, freguesia da Camacha. «Aqui que se jogou pela primeira vez futebol em Portugal», pode ler-se num mural que celebra a efeméride.

Em 1875, Harry Hinton, regressado dos estudos em Londres, trouxe consigo na bagagem uma bola de futebol. Aquele jovem de 18 anos, filho de William Hinton – abastado produtor e comerciante ligado à indústria bananeira, do açúcar e dos vimes – aproveitou o terreno da Quinta da Achadinha como espaço para a prática da nova modalidade, que dava os primeiros passos em Inglaterra.

Será deste ligação da comunidade britânica - que se estabeleceu na Madeira no século XIX - que nasce contacto precoce da ilha portuguesa com o futebol, embora esta versão não reúna consenso entre os historiadores.

Harry Hinton, que sucederia ao pai à frente dos negócios da família, aprofundaria a sua ligação ao futebol na região: foi sócio n.º 1 e presidente honorário do Marítimo (fundado em 1910) e financiando troféus e encontros de futebol, a ponto de ter direito a grandes loas em textos como este do Almanaque do Desportista Madeirense: «Madeirense de nascimento e coração, o Senhor Henrique Hinton, mercê das suas excelsas qualidades de trabalhador incansável e probo é motivo de altaneiro orgulho, de brio e honra cimeira da terra que foi seu berço natal e que tantos benefícios deve às suas faculdades viris de fecundo empreendimento.»

Seleção: três jogos com boas e más memórias

A última vez que a «equipa das Quinas» havia pisado solo madeirense foi na fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2002. Nesse jogo, que ficou marcado pelos regressos de Abel Xavier, Nuno Gomes e Paulo Bento, após terem cumprido os castigos na sequência da eliminação nas meias-finais do Euro 2000 diante da França, Portugal venceu Andorra por 3-0 numa partida que começou a ser decidida com um golo supersónico de Luís Figo logo aos 20 segundos.

Recuando no tempo, o primeiro jogo da seleção na Madeira foi a 30 de março de 1977, fará esta quinta-feira 40 anos, num particular (tal como o desta terça-feira): Portugal venceu a Suíça por 1-0 no jogo que marcou a estreia de Juca como selecionador e o adeus de Artur Jorge como jogador à seleção.

Uma década depois, a Madeira marcou a despedida de Ruy Seabra do cargo de selecionador e a consequente reintegração dos jogadores banidos da seleção após o Caso Saltillo no Mundial de 1986. O jogo de má memória terminou com um embaraçoso empate a duas bolas diante de Malta (bis de Jorge Plácido) que comprometeu o apuramento para o Euro 88. Foi a 29 de março de 1987; fará 30 anos na quarta-feira.

Barreiros e as outras casas do futebol madeirense

Mais do que o palco dos jogos da Seleção Nacional, o Estádio dos Barreiros é a grande casa do futebol madeirense desde que foi inaugurado, a 27 de abril de 1957. Durante meio século, o «Caldeirão» – conhecido assim pelo seu ambiente – foi propriedade do Governo Regional e recinto comum dos três emblemas mais representativos da região.

Foi a partir de 2007 que o estádio, cujos terrenos durante a década de 1920 até chegaram a pertencer ao rival Nacional, passou a ser propriedade do Marítimo, que entre 2009 e 2016 encetou obras de remodelação cujo valor ascendeu a 46 milhões de euros.

O estádio perdeu a pista de tartan mas ganhou condições de uma arena moderna com mais de 10 mil lugares e a verdade é que a assistência média dos verde-rubros quase duplicou nas últimas duas épocas (7688 espetadores por jogo e sexta melhor assistência na Liga em 2016/17).

Outro palco privilegiado do futebol da ilha é o Estádio da Madeira, casa do Nacional. O recinto de cinco mil lugares construído em 2000 e expandido em 2007 é no entanto vítima da sua localização na Choupana, numa zona sobranceira ao Funchal e não raras vezes é afetado pelas más condições atmosféricas, como vento e nevoeiro.

Além destes dois estádios, destaque ainda para o Centro Desportivo da Madeira, inaugurado em 2007, que desde 2014 tornou-se na casa do União da Madeira.

Ilustre trio na elite do futebol nacional

«Lá vem, lá vem; Os nossos maravilhas; Os endiabrados; Campeões das ilhas»

Assim canta o hino do Marítimo; e a verdade é que o clube verde-rubro é o que tem a maior base de adeptos na Madeira e o que tem maior historial no futebol nacional.

Fundado em 1910, em vésperas da implantação da república, os «leões da Madeira», que adotaram as cores da bandeira nacional, levam 37 épocas na Liga, tem seis quintos lugares e o 10.º melhor registo acumulado da história. Além disso, foram por duas vezes finalistas da Taça de Portugal e outras tantas finalistas da Taça da Liga, tendo nas competições europeias oito participações na Taça UEFA/Liga Europa.

Por sua vez, o Nacional conseguiu por duas vezes o quarto lugar na Liga (2003/04 e 2008/09), a melhor classificação de um clube madeirense, e tem cinco participações na Taça UEFA/Liga Europa. No entanto, tem menos de metade das participações na Liga do que o rival (18). Bem atrás, com apenas seis participações na Liga, fica o União da Madeira, que fecha o trio madeirense com um histórico entre a elite do futebol nacional.

Treinadores: Leonardo, o Jardim da Europa

Qual a maior figura do futebol madeirense depois de Cristiano Ronaldo? Essa é fácil. A resposta está no banco e dá pelo nome de Leonardo Jardim. Este madeirense nascido na cidade venezuelana de Barcelona é um dos treinadores do momento na Europa: colocou o Mónaco, que orienta desde 2014, na liderança do campeonato francês e está aos quartos-de-final na Liga dos Campeões. Não é novidade para quem acompanha na última década a carreira do treinador desde que ele se revelou no Camacha: Chaves, Beira-Mar e Sp. Braga já haviam indiciado o que bons trabalhos no Olympiacos e Sporting confirmaram.

Jardim é caso único. Ao seu nível, naturalmente. Mas há ainda assim uma nova geração de técnicos madeirenses a darem cartas nos escalões inferiores. Entre este lote, um nome destaca-se em relação aos restantes: Ivo Vieira (ex-Nacional e Marítimo), técnico que esta época orientou o Desp. Aves.

Internacionais: de Pinga a Cristiano Ronaldo

Acima de todos, Cristiano Ronaldo, pois claro. O capitão dos campeões da Europa é o jogador mais internacional (137) e melhor marcador (70) da história da Seleção Nacional. CR7 é naturalmente a grande referência da história do futebol português, mas neste momento o único madeirense entre os eleitos de Fernando Santos.

Ao longo dos anos, porém, uma dezena de madeirenses representaram a «equipa das Quinas»: Danny (38 internacionalizações), nascido em Caracas, e Rúben Micael (16) são os exemplos mais recentes.

Danny e Rúben Micael ao serviço da Seleção Nacional

No entanto, recuando no tempo, há muitos mais: desde logo Pinga, goleador do FC Porto na década de 1930 e 1940, que apontou nove golos em 23 internacionalizações, que nessas épocas era acompanhado pelo também portista e madeirense Carlos Pereira (13 internacionalizações entre 1935 e 1942). A estes juntam-se uma mão cheia de jogadores que entre a década de 20 e a de 50 do século passado representaram a seleção: António Teixeira (Marítimo), José Ramos (Marítimo), José Mota (Estoril), Nelson Fernandes (Varzim e Sporting) e Manuel Passos (Sporting).

Cristiano, nome de museu, praça e… aeroporto

Madeirense ilustre e grande embaixador do futebol português, Cristiano Ronaldo é um nome incontornável na ilha onde nasceu e cresceu. É até possível fazer um roteiro na ilha da Madeira em torno do astro mundial cujo talento brotou numa rua a pique do Caminho do Lombo na freguesia funchalense de Santo António, antes de despontar no Andorinha e no Nacional e mais tarde já no Sporting.

Cristiano é hoje nome de praça, de um hotel, numa parceria entre o próprio e também madeirense grupo Pestana. Tem uma estátua e também um museu, por onde passam milhares de visitantes por ano para verem em exposição as conquistas de uma carreira, como as quatro Bolas de Ouro. Cristiano tem uma estátua. E a partir de quarta-feira, Cristiano será também nome de aeroporto. Tal como quem visita Belfast aterra no aeroporto George Best, na Madeira o aeroporto internacional será Cristiano Ronaldo.