Esta é uma daquelas histórias que acabam com um tinha de ser. Sérgio Conceição estava, há muito, destinado a ser treinador da Académica. A vontade mútua concretizou-se há pouco tempo, e derreteu até quaisquer atritos que existiram no passado entre o jovem técnico e o atual presidente.

A chegada de Conceição agitou as massas em Coimbra, a apresentação roçou o apoteótico, e a fé nas capacidades de um dos seus para tirar a equipa do penúltimo lugar é imensa. De onde vem toda este sentimento, recíproco, diga-se, que enche de esperança os apaniguados da Briosa? A resposta começa nos primeiros pontapés na bola de um atleta de exceção.

«Aos 10/11 anos era o único capaz de meter bolas a 30 ou 40 metros. Não era grande, mas era maciço, e tinha uma musculatura já muito desenvolvida para a idade. Apareceu ai pela mão da Filomena Namora [cunhada de Artur Jorge] e queria era jogar a ponta-de-lança, fazer golos», conta ao Maisfutebol Paulo Costa, o primeiro treinador de Sérgio Conceição.

A força, está bom de ver, ganhou-a nas peladas pela aldeia onde nasceu, Ribeira de Frades, a uma dezena de quilómetros da cidade que haveria de testemunhar a sua ascensão. «O Zé do Boné dizia que o futebol, e o desporto, em geral, é para os putos da rua e não para os que sempre tiveram tudo», prossegue o antigo técnico.

«Ora se há coisa que nunca faltou ao Sérgio foi espírito de sacrifício, determinação e ambição, além do talento natural que tinha», recorda, sem contornar a infância pobre do agora treinador dos estudantes. «Vinha de uma família muito humilde. Era o pai que o trazia na motoreta ao campo de Santa Cruz», desfia.

Quando lhe faltava a boleia, não raras vezes, tinha de apanhar dois autocarros e atravessar dois quilómetros de pinhal, sozinho, à noite, fosse verão ou inverno, para regressar a casa e chegar mais cansado do que pelo próprio treino. Dizem que nunca falhou uma sessão. De manhã, começava tudo de novo, bem cedo, porque havia escola, e a seguir outra vez a bola.

Chorava quando perdia

Tão pequenino e já era tão parecido com aquilo que haveria de ser mais tarde. Um exemplo de raça, aqueles com «Alma até Almeida». «Se há alguém que quer ganhar em campo é ele. Não gosta de perder nem a feijões. Chorava quando perdia, ficava pior que uma barata. Quando um árbitro se portava mal, ele não ficava bem. Mesmo ainda garoto», desvenda Paulo Costa.

Tirando isso, era um miúdo reservado. «Penso que isso tinha a ver também com as suas origens. Neste meio, havia sempre miúdos mais privilegiados, oriundos de famílias mais desafogadas financeiramente», constata. «Por vezes fazíamos uma vaquinha para que ele pudesse ter uns trocos no bolso», insiste.

De táxi para o jogo

Nos juvenis da Académica, Sérgio Conceição, já capitão de equipa, foi treinado por José Crispim. «Jogava na mesma posição em que eu joguei, extremo direito, e ainda lhe dei algumas dicas. Sempre deu mostras de que podia vir a ser um grande jogador. Um rapaz humilde, que sempre gostou de trabalhar e de aprender mais», sublinha.

«Era o único jogador de Coimbra que tinha direito a uma bolsa, para pagar os estudos, transportes e pouco mais. O clube procurou sempre ajudá-lo para que nada lhe faltasse. O pai, pedreiro, era o único pai de atletas que viajava e almoçava connosco no dia dos jogos», complementa, antes de buscar na memória um episódio que o marcou.

«Eu dava sempre 15 minutos de tolerância antes de sairmos de autocarro para os jogos. Íamos a Lourosa e tanto o Sérgio como o pai não apareciam. Lá arrancámos e, quando estávamos a chegar, aparece um táxi. Eram eles», desvenda, enaltecendo o sentido de responsabilidade que tinha o jovem Conceição.