Olivais e Moscavide e Sporting apenas se defrontaram uma vez em campo, numa vitória dos leões para a Taça de Portugal em 1995/96, mas além da proximidade geográfica há muitos pontos de ligação entre os dois clubes. No presente mas também no passado. Houve um tempo em que vários jogadores do Sporting fizeram a transição para seniores em Moscavide. Entre eles Bruno Pereirinha, revelação precoce em Alcochete.

Aos 18 anos, depois de ter sido campeão nacional de juvenis e de juniores com o Sporting, rumou a Moscavide mas ficou apenas seis meses, até Paulo Bento, que o tinha orientado nos juniores, o chamar de volta a Alvalade. Estreou-se pela equipa principal do Sporting logo em janeiro de 2007 e foi aposta regular durante três épocas, antes de passar por dois empréstimos e de voltar para mais época e meia até deixar Alvalade em definitivo para rumar à Lazio. Ao todo, foram 150 jogos pelo Sporting.

A ligação ao Olivais e Moscavide é o ponto de partida para a conversa com o antigo internacional sub-21, que jogou a lateral e a médio. Pereirinha recorda o ambiente especial no clube da zona oriental de Lisboa e fala da sua carreira, da pressão e das expectativas, das lesões que o limitaram, do tempo em que treinou sozinho no Brasil, do sonho cumprido de jogar na equipa principal do Belenenses, onde tudo começou, e do motivo para ter deixado de jogar cedo, aos 31 anos.

Estreou-se como sénior no Olivais e Moscavide, vindo diretamente dos juniores do Sporting. Como foi esse processo?

Eu tinha feito o primeiro ano nos juniores, depois fui ao Europeu sub-19, um ano à frente da minha idade, e depois em vez de fazer o último ano de formação nos juniores do Sporting parti logo para um plantel profissional, como era na altura o Olivais e Moscavide, na II Liga.

Havia essa ligação entre os dois clubes e já lá estavam vários jogadores do Sporting, não era?

Sim. No ano anterior já tinham passado por lá alguns jogadores, entre eles o Miguel Veloso, e nesse ano, quando eu me juntei ao clube, também já lá estavam o Saleiro, o André Marques, o Celestino. Para mim foi fácil a adaptação também por isso.

Como foi a mudança do Sporting, onde já havia a Academia e todas as condições, para um clube com meios muito diferentes?

Encontrei condições muito diferentes, mas eu naquela altura estava bastante animado com a oportunidade, porque não era uma coisa comum no Sporting, um jogador que ainda tinha a sua formação por terminar dar já esse salto no percurso. Então estava bastante motivado e essas questões não me preocupavam nem me afetavam.

O que é que recorda do Olivais e Moscavide?

Era um clube pequeno, com uma estrutura pequena, mas com uma massa adepta muito característica, com o pessoal ali da zona, muito animado. Chegámos a fazer alguns convívios. Aqueles seis meses que eu passei no clube foram bastante felizes, tanto para nós como para eles, porque a equipa estava bem. Estávamos a lutar pela parte de cima da tabela da II Liga. Foram tempos muito bons, muito alegres, apesar das dificuldades que o clube tinha em termos de infraestruturas, principalmente.

Esses convívios eram com os adeptos?

Sim. Lembro-me que fizeram um magusto e ainda outro convívio. Lembro-me particularmente do magusto. Fomos lá à sede da claque e estivemos lá a conviver com eles.

Onde é que treinavam?

Treinávamos uns dias no próprio campo do Olivais, que na altura era de relva natural e agora é sintético, e noutros dias treinávamos num campo que havia ali no Parque das Nações.

A passagem pelo Olivais e Moscavide foi curta, porque o Paulo Bento chamou-o para a equipa principal do Sporting logo em dezembro. Como recebeu essa notícia?

Para mim foi uma surpresa. Eu fiquei a saber talvez ali por volta do dia 27, 28, logo a seguir à paragem do Natal. Até lá ainda não tinha tido nenhuma indicação. Foi uma alegria imensa e uma surpresa.

O Paulo Bento falou diretamente consigo?

Na altura acho que foi passada a informação através das pessoas que geriam os jogadores que estavam emprestados. Depois sim, tive essa conversa com o mister Paulo Bento quando cheguei ao clube.

Q que é que ele lhe disse?

Para ser sincero, passou tanto tempo que já não me lembro muito bem, mas das conversas que me lembro de ter tido com ele passou-me confiança, passou-me esperança de poder fazer coisas boas e felizmente sim, conseguimos atingir alguns objetivos importantes com a conquista de alguns títulos.

O Pereirinha estreou-se logo a seguir, em janeiro, num jogo com o Belenenses. Lembra-se?

Sim. Sinceramente, acho que quanto mais no início da minha carreira mais eu conseguia abstrair-me daquilo que estava à minha volta. Acho que conseguia ficar mais imune à pressão e conseguia desenvolver muito mais ou meu futebol e desfrutar muito mais do que depois, com o passar dos anos. Talvez a responsabilidade tenha ficado mais pesada. Portanto, lembro-me perfeitamente desse jogo, lembro-me de ter entrado para o lugar do Carlos Martins e ter conseguido logo fazer um, dois lances, fazer bons passes, não errar passes, não errar receções, sair a fazer um drible ou outro. E pronto, começar dessa maneira deu-me logo também mais confiança.

Na altura havia muita expectativa em volta do Pereirinha. Acha que com o avançar da carreira acusou essa pressão de tentar estar à altura?

Não tem tanto a ver com as expectativas, mas com o momento em si. Às vezes por não conseguir jogar da maneira que queria, percebe? Não a pensar também tão à frente, mas talvez mais num jogo em que, por eu estar mais nervoso ou isso, as coisas não se conseguiam desenvolver bem.

Manteve a ligação ao Sporting por vários anos, com alguns empréstimos pelo meio, até à desvinculação no início de 2013 e à ida para a Lazio. Que balanço faz da ligação ao Sporting?

É positivo, claro. Foi o clube onde fiz a fase final da minha formação, onde pude ter a minha estreia, onde pude ganhar títulos. Infelizmente, a desvinculação não correu da maneira que eu esperava. São circunstâncias do futebol. Eu pensei que poderia ter saído seis meses antes, numa altura em que a Lazio já tinha mostrado interesse em comprar o meu passe e teria sido uma altura boa para toda a gente. Mas na altura a opinião dos responsáveis do Sporting era outra. Queriam contar comigo, queriam renovar o meu contrato. Entretanto algumas coisas mudaram e eu acabei por ser deixado um pouco para trás. Isso deixou-me um bocado triste, mas fico feliz por ter tido essa oportunidade de ir para Itália e para o clube que já tinha demonstrado interesse em mim antes. Embora tenha sido nesse timing, mas valeu a pena na mesma.

Acha que podia ter corrido melhor se tivesse ido logo no início da época?

Sim … Como é normal, as equipas vão-se formando, vão evoluindo, e com isso posso ter perdido ali algum espaço que depois mais tarde tive mais dificuldade em encontrar.

E como aconteceu a mudança para o Brasil? Não era e ainda não é um destino muito frequente para os jogadores portugueses…

Essa oportunidade apareceu numa altura em que eu estava a entrar no último ano de contrato na Lazio e o treinador, que era o Stefano Pioli, já tinha dado a entender que eu não ia ter muitas oportunidades nesse ano, como não tinha tido no ano anterior. Então, eu comecei à procura de soluções e apareceu o Athletico Paranaense, um clube com uma visão a médio/longo prazo muito ambiciosa, da conquista de títulos continentais. Coisa que veio a concretizar-se, não durante a minha passagem mas depois. Não é muito comum mas na altura pareceu-me bem e nos primeiros seis meses correu bastante bem. Depois o resto do contrato não correu assim tão bem, mas fica o aprendizado também e a experiência.

E acabou por voltar para o Belenenses, onde tudo começou…

Sim, eu comecei no Belenenses com sete anos e fiquei lá até aos 15. Durante esses sete anos o meu sonho sempre foi chegar à primeira equipa do Belenenses. Entretanto fui para o Sporting e as coisas mudaram. Mas foi um sonho adiado que pude cumprir.

Depois faz uma última época no Cova da Piedade e acaba a carreira cedo. O que o levou a tomar essa decisão?

O meu segundo ano no Brasil não correu bem, acabei por ficar afastado da equipa, a treinar sozinho, ou com um grupo muito pequeno de colegas. Eu ao longo da carreira tive sempre alguma propensão para lesões musculares e acabei por agudizar isso ainda mais. Quando cheguei ao Belenenses tive bastante dificuldade também em encontrar um bom momento de forma e no último ano do Cova da Piedade as coisas continuaram mais ou menos da mesma maneira. Quando tinha umas cargas um bocado mais fortes acabava sempre por ceder a parte muscular. A isso juntou-se algum desânimo por não conseguir durante tanto tempo fazer aquilo que mais gostava, da maneira que estava habituado a fazer, e o facto de ter sido pai dos meus filhos ali precisamente naquela altura. Acabou por se juntar tudo e decidi definir as prioridades e acabei por me dedicar mais à família. Hoje acho que foi a melhor escolha que podia ter feito, tanto pela parte familiar como pelo que veio depois a acontecer, porque praticamente nem um ano depois de eu parar rebentou a pandemia. E pronto, consegui safar-me dessa.

No Brasil, o afastamento da equipa teve a ver com questões contratuais?

Teve a ver com a gestão do plantel. No Brasil há muitos jogos por ano, então os clubes têm tendência a ter plantéis muito largos. E também têm muita rotatividade de jogadores. O que vemos acontecer com os treinadores, lá e em todo o lado, de não haver muita paciência para que coisas se possam ajustar e correr bem, lá acontece também bastante com os jogadores. Eu senti que não houve assim tanta paciência para esperar. Mas foi um erro de parte a parte. Se por um lado eles estavam à espera que eu chegasse e fosse logo produtivo, por outro eu também estava a vir do período de férias do futebol europeu e as duas coisas não se conjugaram muito bem. Houve ali algum desapontamento da parte deles em relação não à minha performance - isso eles estavam satisfeitos e eu também -, mas mais com a questão física. É como digo, eu sempre tive alguns problemas com lesões e a demanda de jogos, a frequência de jogos que eles têm durante o ano todo, afeta muito a dinâmica das equipas lá.

E o que está a fazer agora?

Andei focado na família até os meus filhos terem entrado na escola, agora recentemente. Estive com eles em casa e passei também bastante tempo com a família no Brasil, a minha esposa é brasileira e então passámos bastante tempo lá. Agora estou a começar um projeto ligado à construção civil.

Olhando para trás, que balanço faz da sua carreira?

Faço um balanço positivo. Consegui fazer coisas muito boas, consegui estar em títulos, consegui jogar em grandes equipas, consegui jogar em campeonatos diferentes, consegui fazer bastantes amigos ao longo da carreira.

Voltando ao Olivais e Moscavide, guardou alguma amizade que tenha feito lá?

Foi uma coisa curta, e os jogadores com quem me cruzei no Olivais e Moscavide e com quem mantive mais relação foram aqueles que eu já conhecia e que estavam ligados ao Sporting. Continuo esporadicamente a ter contacto com um ou com outro, em redes sociais, ou volta e meia encontro algum no estádio do Sporting, quando me desloco para ver um jogo. Vou mantendo alguns contactos.

E o que espera deste jogo de Taça? Embora não jogue no seu estádio, como acha que o Olivais e Moscavide o vai encarar?

Se fosse no estádio do Olivais acredito que tanto a equipa como os adeptos pudessem desfrutar mais do jogo e ter talvez uma atitude mais forte. Mas aquilo que espero do Olivais é aquilo que se pode esperar sempre de uma equipa com menor expressão nestes jogos de Taça. Vai ser praticamente o jogo mais importante da época para eles, acredito eu, porque sabem que têm pela frente uma grande equipa, com grandes jogadores. Vão querer testar-se, medir forças, ao mesmo tempo sabendo que vão ter uma visibilidade que não têm durante o resto da temporada.

O Olivais e Moscavide estava na II Liga quando o Pereirinha lá esteve, mas não voltou a atingir esse nível e está agora nos Distritais, já há muito tempo longe dos principais palcos…

Exatamente, por isso acredito que eles vão tentar aproveitar a oportunidade para fazer o melhor que puderem. Da parte do Sporting sei que vai haver também esse compromisso. E por muito carinho que tenha pelo Olivais e Moscavide, espero que o Sporting ganhe.

Continua a acompanhar o Sporting e a torcer pelo Sporting?

Sim, sim.