Roger Spry chegou a Portugal em 1986, para trabalhar com Malcolm Allison em Setúbal. Por lá, encontrou Félix Mourinho e um jovem, José, que dividia os seus tempos entre o curso superior em Lisboa e os treinos do Vitória: «Ele estava a estudar em Lisboa e vinha ver os treinos, já que o seu pai estava na equipa técnica. Então, dissemos: para quê só ver, também podes ajudar.»
«Aproximamo-nos, voltei a encontrá-lo no Sporting e, desde aí, a amizade desenvolveu-se, até hora. Se lhe ensinei alguma coisa? Não sei, lembro-me que nos sentávamos e falávamos durante horas e horas, ao longo dos anos. Era um talento natural e penso que aprendemos muito um com o outro. Aliás, se formos inteligentes, aprendemos sempre algo quando conversamos com alguém. É isso que faço», explica, ao Maisfutebol.
Enquanto se fala de José Mourinho, Roger Spry utiliza o exemplo para enaltecer a qualidade dos treinadores portugueses: «José Mourinho era interessado e percebeu-se, desde logo, que ia chegar ao topo. Portugal tem grandes treinadores. Vi isso em Carlos Queiroz, Fernando Santos, António Oliveira. Estão entre os melhores do Mundo.»
«O pé deve ser como um peixe»
Se estão entre os melhores do Mundo, não deveria a Selecção Nacional ser treinada por um português? «Não necessariamente, até porque os brasileiros e os portugueses têm mentalidades muito parecidas. Já trabalhei com Mário Zagallo e Carlos Alberto Parreira e percebe-se isso. Seria estranho, isso sim, ver um treinador alemão ou dinamarquês na selecção de Portugal.»
Aproveitando o tema, a conversa desagua num conceito que Roger Spry tem introduzido em Inglaterra. O que é uma «trick-sok»? «Basicamente, tem a ver com as qualidades técnicas que os portugueses e brasileiros aprendem desde o futebol de rua. Para eles, o pé é como um peixe, tem mobilidade. Na Inglaterra, ensinam os jogadores a utilizar o pé como um taco de golfe», ironiza.
O exemplo de Ricardo Quaresma
«Estes conceitos não são novos, há muito que Carlos Queiroz, Mário Zagallo e outros falam nisto. Temos de conseguir dividir o pé em partes e perceber que todas elas servem para fazer movimentos, fintar, passar ou chutar. Os jogadores ingleses são limitados nesse aspecto. Quaresma é o maior exemplo desta abordagem, porque chuta com a parte de fora do pé. Lembro-me também de Balakov, que tinha um pé esquerdo fabuloso e fazia as mesmas coisas», recorda.
Entre diversas experiências, Roger Spry nunca pára de receber novas influências: «Trabalho com a UEFA e a FIFA desde há quinze anos, participando em seminários em países distintos com a Holanda, França, Rússia, Sérvia ou Japão. Ensino o que sei mas também conheço grandes treinadores, como Venglos ou Houllier, e também aprendo com eles. Já recebi vários convites para ser treinador principal, mas prefiro ficar atrás das câmaras. Não me vejo a viver com a pressão mediática de alguém como José Mourinho, por exemplo.»