Rafa Nadal na meia-final do Open da Austrália, a última vez que alguém escreveu isto foi há três anos. E a última vez que um torneio do Grand Slam chegou à penúltima ronda sem nenhum dos três primeiros do ranking mundial foi há mais de 13. O tempo a andar para trás em Melbourne, mais ainda se lhe juntarmos o regresso de Roger Federer. E já agora a incrível história de Mirjana Lucic-Baroni, semi-finalista de um Grand Slam com 18 anos de intervalo.

O ano de 2017 começa a baralhar a história no ténis. A começar pelas hierarquias. Antes de mais Novak Djokovic, que caiu logo na segunda ronda, eliminado pelo uzbeque Denis Istomin, 117º do ranking, prolongando no arranque do ano a tendência de quebra com que fechou 2016, quando perdeu a liderança para Andy Murray.

Depois caiu o próprio Murray, pelo caminho na quarta ronda, afastado pelo alemão Mischa Zverev. O Open da Austrália perdia também o número 1 do mundo. Dos três primeiros restava Milos Raonic, mas o canadiano não resistiu nesta quarta-feira a um Rafa Nadal renascido, que venceu por 6-4, 7-6 (9-7), 6-4. Não acontecia desde Wimbledon, em 2003, quando Federer venceu o primeiro dos seus 17 Grand Slam, como quarto do mundo. 

Aos 30 anos, o espanhol apareceu forte em Melbourne, ele que nos últimos anos tem vivido entre lesões e baixas de forma. No ano passado teve de desistir de Roland Garros, o «seu» Grand Slam, por causa de uma lesão no pulso, apesar de ainda ter voltado a tempo de ir ao Rio de Janeiro no verão e ganhar o torneio olímpico em pares. Mas não chegava a uma meia-final de um Grand Slam desde 2014, precisamente em Roland Garros, quando venceu na terra batida do torneio francês pela nona vez na sua carreira, mais do que qualquer outro tenista na história.

No final, ainda no «court», Nadal falou sobre as dificuldades por que passou. «Quando tens dúvidas estás preparado para trabalhar mais. Não me considero uma pessoa arrogante, e portanto temos sempre dúvidas. Tive uma grande carreira mas também muitos momentos duros que me fazem apreciar ainda mais os bons momentos que estou a viver aqui», disse na conversa com Jim Courier.

Nadal chegou a Melbourne como número nove do mundo. E Roger Federer como 17º. Soava a fim da era dos dois tenistas que, juntos, dominaram a modalidade como ninguém. Nenhum deles está a ficar mais novo, evidentemente, e esse é o caminho inevitável. Mas ainda é cedo para os dar por arrumados, como provaram Nadal e Federer em Melbourne.

Foi o torneio da maturidade. Não apenas o espanhol e o suíço, também Stan Wawrinka, 4º do ranking mundial e adversário de Federer na final, já completou trinta anos. Dos quatro semi-finalistas o único abaixo dessa barreira é o búlgaro Grigor Dimitrov, adversário de Nadal nesta sexta-feira na última barreira antes da final, que tem 25 anos e é o 15º do ranking mundial.

O desenrolar do Open da Austrália alimentou a discussão sobre se já há concorrência consistente capaz de colocar em causa os «Big Four», as grandes figuras da modalidade nos últimos 15 anos: Federer, Nadal, Djokovic e Murray. As opiniões dividem-se, também entre os que gostariam de assistir a mais uma final entre Federer e Nadal, os dois tenistas com mais títulos de Grand Slam da história - Federer tem 17 e Nadal 14, tantos como Pete Sampras - que não acontece desde 2011, e aqueles para quem esse tempo já passou e defendem que o ténis precisa é de sangue novo. De um lado, por exemplo, Andy Roddick: «Em termos históricos seria talvez a maior final da história. Nadal tem 14 Grand Slams, Federer 17, se o Rafa ganhar, com Roland Garros à porta, é ir a jogo pelo recorde de mais vitórias em Grand Slams.» Do outro opiniões como a do antigo tenista sueco Mats Wilander, em declarações à alemã DPA: «Seria genial vê-los em nova final, mas também era bonito ver John Lennon e Elvis Presley de novo a cantarem juntos, mas já não é possível. Precisamos de caras novas.»

Independentemente do desfecho, este já é um Grand Slam para a memória coletiva. E também no quadro feminino, que reforça a tendência. Perdeu cedo a atual número 1 do ranking mundial, a alemã Angelique Kerber, que foi eliminada nos oitavos de final por CoCo Vandeweghe. A norte-americana, 25 anos e 35ª do ranking, também foi a única sub-30 entre as semi-finalistas, ao lado das irmãs Williams, Venus (36 anos) e Serena (35), e da croara Mirjana Lucic-Baroni. Ela sim, a grande história deste Open da Austrália.

Mirjana foi uma das adolescentes mais promissoras do circuito no final dos anos 90. Mas quando chegou à meia-final de Wimbledon em 1999, depois de afastar Monica Seles, já vivia um pesadelo familiar. Foi anos mais tarde que Mirjana revelou como tinha sido vítima de um pai agressor e acabou por pedir asilo, com a mãe e irmãos, nos Estados Unidos. Passou muito tempo a tentar superar o trauma e as dificuldades financeiras.

Regressou aos poucos ao circuito e agora, no início de 2017, chegou a Melbourne como nº 79 do mundo, foi avançando e nesta quarta-feira, ao afastar a checa Karolina Pliskova, quinta cabeça de série, por 6-4, 3-6 e 6-4, voltou a apurar-se para uma meia-final de um Grand Slam. A segunda da sua carreira, com 18 anos de intervalo.

«Sei que significa muito para cada jogador chegar às meias-finais, mas para mim isto é esmagador. Nunca, nunca esquecerei este dia ou as últimas semanas», emocionou-se Lucic-Baroni no final: «Isto fez a minha vida depois de tudo de mau que aconteceu. Só o facto de ter sido tão forte e de ter valido a pena lutar, é incrível.»

A reação nas bancadas e no court dizem tudo sobre o significado do momento.