Campeão mundial em 1998 e europeu em 2000, Lilian Thuram pode reclamar um lugar na História do futebol entre o dos melhores defesas de sempre. Atualmente com 40 anos, o homem que representou a seleção francesa em 142 ocasiões acabou a carreira em 2008, quando uma anomalia cardíaca fez ruir a transferência de Barcelona para o PSG. Longe de conformar-se com uma vida de reformado de luxo, Thuram reiventou-se como ativista social.
A fundação com o seu nome, criada nesse ano, é um agente destacado no combate ao racismo em França. Foi nesse âmbito que a fundação Gulbenkian o convidou para participar no Programa Próximo Futuro, em Lisboa, onde nesta quinta-feira, a partir das 18.30, vai efetuar uma conferência sobre o tema «Educação contra o Racismo». Foi esse o contexto da conversa que manteve com o Maisfutebol e a TVI.
- Escolheu o racismo como tema de intervenção social. Porquê?
- Falar de racismo é acima de tudo falar de igualdade, que é uma noção fundamental numa sociedade. E a igualdade constrói-se, nunca é oferecida. Por isso devemos estar muito atentos para a denúncia de todas as formas de desigualdade e perceber que as suas expressões, como o racismo, têm uma história extremamente longa, que ainda nos é próxima. Há muitos séculos que há uma hierarquia das pessoas em função da cor da pele. Ela existiu durante a colonização, durante a escravatura, durante o nazismo e durante o apartheid. Esta ideologia está na base de alguns preconceitos fortemente negativos que ainda perduram.
Essa ideia ainda resiste da mesma forma?
- Sobraram sequelas da História, o que é compreensível. Essa História impregnou a nossa maneira de pensar, e os preconceitos permanecem. Porquê? Porque temos sempre tendência a pensar que fazemos parte de grupos diferentes, e a cor da pele é o primeiro fator para a definição desses grupos, quando se diz «os negros são assim», ou «os brancos são assim». O racismo existe, porque é uma construção cultural, como o sexismo.
Vê o desporto como espelho dessas desigualdades ou como exceção?
- Acredito que o desporto, como parte importante da sociedade, reflete os mesmos efeitos, positivos ou negativos. Quando os espetadores fazem gritos a imitar macacos, quando jogadores negros tocam na bola, como me acontecia em Itália, eu sei que há uma história por detrás. O racismo que existe no futebol reflete o que há fora do desporto. E é preciso ter a coragem de discutir o que acontece e preparar instrumentos para o ultrapassar.
O desporto pode ensinar comportamentos à sociedade ou ainda tem de aprender com outras áreas?
- Acho que há muito menos manifestações de racismo no desporto do que na sociedade em geral. E porquê? Porque no desporto és julgado em função do teu valor e dos resultados, nada mais. Ao passo que alguém que vai procurar um emprego, ou um apartamento, pode ser avaliado negativamente pela cor da pele. E o inconsciente coletivo pode manifestar-se num «não», que por vezes nem a própria pessoa que o diz sabe explicar. É uma resposta emocional, e para superar esse lado emocional do racismo é preciso que haja consciência dos próprios preconceitos e que sejamos capazes de discuti-los, sem vergonha, e sem cair na vitimização, nem na culpabilidade.
Daí a sua fundação sublinhar a importância da educação?
- Tive a sorte de crescer num bairro onde havia todo o tipo de nacionalidades. O primeiro clube onde joguei futebol foi nos Portugais de Fontainebleu. E quando se está cedo em contacto com portugueses, italianos, argelinos ou paquistaneses, a abertura de espírito é maior. As crianças nascem sem preconceitos em relação à cor de pele, nem sequer se apercebem disso. É pouco a pouco que tentam meter-nos em grupos diferentes. E o racismo é isso. É fazer-nos pensar: «eu faço parte de um grupo que é melhor que o teu». O grito de macaco nas bancadas é isso, é dizer ao adversário negro «vocês são animais e nós somos melhores».