Se lhe dissermos que o Tottenham acabou de despedir, nesta segunda-feira, o seu treinador com melhor rendimento desde que o clube chegou à primeira divisão, em 1909, ficaria surpreendido? E se esse treinador tivesse, também, o melhor registo do clube em partidas para as competições europeias, com apenas uma derrota em 20 jogos, a surpresa aumentaria?

O mais provável é ter respondido «sim» às perguntas anteriores. Por isso já nem valerá muito a pena sublinhar o facto de André Villas-Boas - o treinador em causa - ter fixado, apenas há sete meses, o recorde de pontos dos Spurs desde que há Premier League. Ou de o Tottenham – que nesta altura luta em quatro frentes – ter mais um ponto do que tinha há um ano, e estar a oito pontos do líder, quando em dezembro de 2012 estava a 13.

Nenhum destes números foi capaz de convencer o presidente Daniel Levy a manter uma aposta arrojada que, desde o primeiro dia - 3 de julho de 2012 - foi dividindo apoios e contestação em doses aproximadas. 531 dias depois de ter sido nomeado treinador do Tottenham, 652 dias depois de ter deixado o comando do Chesea, André Villas-Boas volta a deixar a meio um projeto ambicioso em Londres. Um segundo revés que deverá fechar-lhe as portas dos principais clubes da Premier League nos próximos tempos, retardando-lhe um processo de afirmação internacional, que desencadeou com a saída do FC Porto, em 2011. 

120 milhões e um plantel desequilibrado

O técnico português sai vergado ao peso de duas goleadas históricas em menos de um mês, e à sensação de impotência deixada pela equipa com o Liverpool, neste domingo, perante os seus adeptos. Sai, também, pelo insucesso – pelo menos até agora – de uma política de contratações extremamente ambiciosa, depois da venda de Gareth Bale, a joia da coroa, ao Real Madrid.



Além do galês, mais quatro potenciais titulares ( Caulker, Dempsey, Huddlestone e Parker) deixaram o clube no verão, permitindo um encaixe superior a 125 milhões de euros. Com o objetivo de forçar a aproximação aos quatro colossos (Man. United, Chelsea, Arsenal e Man. City), a palavra de ordem foi reinvestir. Mas os 120 milhões gastos no verão, em sete reforços, não se traduziram em mais-valias evidentes para a equipa. Pior: o excesso de jogadores para posições semelhantes ( Lamela, reforço mais caro de sempre, e quase nunca utilizado, Paulinho, Eriksen) e a falta de reforços em posições chave da defesa sugeriu mesmo alguma falta de sintonia com o diretor técnico Franco Baldini, chegado ao clube em junho.

Às limitações na defesa juntaram-se as lesões de Verthongen e Kaboul, numa fase crítica da temporada. Passou por aí parte do desastre de domingo, com o Liverpool, quando a linha subida dos Spurs - um traço de identidade que AVB pretendeu impor - foi superada vezes sem conta pela velocidade de Suarez, Sterling e Henderson e pelos passes de Coutinho. Um pouco à imagem do que tinha acontecido com o City, no Ittihad, o Tottenham deu a impressão de ser uma equipa a jogar com uma estratégia contranatura para os jogadores de que dispunha. Terá sido essa sensação de déja vu, de desajuste entre treinador e equipa, a custar o lugar ao técnico português, mais até do que os resultados.

Ninguém ganhou com mais frequência

André Villas-Boas orientou o Tottenham em 80 jogos e venceu 44, uma percentagem de vitórias (55%) bem melhor do que a conseguida no Chelsea (47%). E que, nos Spurs, só tem paralelo com a conseguida por dois técnicos que nunca orientaram a equipa no escalão principal: Arthur Turner entre 1942 e 1946, numa altura em que o campeonato inglês estava parado devido à II Guerra e Frank Brettell em 1898/99, quando o Tottenham era ainda um clube modesto, sem acesso à elite. Se restringirmos a análise apenas aos jogos na Liga (29 vitórias em 54) a percentagem de Villas-Boas (53,7%) volta a não ter paralelo com qualquer treinador da equipa no escalão principal: Redknapp, por exemplo, ganhou 49%, e nenhum outro treinador dos últimos 25 anos chegou perto destes registos. 



Incluindo os empates na equação, então Villas-Boas tem um registo de 67 por cento de pontos possíveis ( Redknapp tinha 62, e mais nenhum treinador dos últimos 40 anos chegou a 60%). O Tottenham de AVB perdeu apenas 20% dos seus jogos - Redknapp perdeu 25%, e, novamente, mais ninguém chegou perto.

Mas, além de não ter conquistado qualquer troféu na primeira época, para atenuar o falhanço da ida à Champions, o treinador português acabou também prejudicado pela dificuldade em conseguir resultados convincentes perante adversários diretos pelos primeiros postos. O problema já tinha sido detetado no Chelsea, e agravou-se na passagem pelos Spurs: em 26 jogos com equipas dos seis primeiros lugares, as equipas de Villas-Boas venceram apenas seis, empatando oito e perdendo 12. Com o Tottenham, esse registo foi rigorosamente cumprido: o dobro das derrotas (8) para as quatro vitórias conseguidas.

Para além do efeito conjugado de goleadas demasiado próximas, diante de City e Liverpool, André Villas-Boas terá sido, por último, vítima das dores de crescimento do clube. Afastado da elite há demasiados anos – o último campeonato foi ganho em 1961 – o Tottenham passou a dispor, com a saída de Bale, de meios financeiros capazes de fazê-lo rivalizar com os melhores. Uma situação sem paralelo nas últimas décadas e que fez aumentar a pressão. Aumento demasiado drástico para que os bons registos do técnico português tivessem peso suficiente, depois da humilhação deste domingo. Com AVB, o Tottenham cresceu e os números provam-no. Mas não o suficiente, nem tão depressa quanto as expectativas exigiam.