«Há percursos profissionais que não fazem sentido. O de Vítor é um exemplo lapidar disso mesmo. Como é que este médio de enorme talento passou nove épocas seguidas nos escalões secundários do nosso país? Vítor não engana, é craque da cabeça aos pés. Já o tínhamos escrito, mas a cada semana que passa esta estranheza aumenta. A inteligência com que lê o jogo é incrível, a capacidade de passe inatacável, a técnica individual está acima de qualquer suspeita. Num país normal, sem interesses insondáveis por trás da lógica mercantilista, Vítor faria parte do plantel dos maiores clubes»

O Maisfutebol rendeu-se uma vez mais a Vítor Emanuel Cruz da Silva. Frente ao V. Guimarães, voltou a encher o campo. A dúvida inquietou-nos e fomos à procura de respostas. O médio, uma das figuras do sensacional Paços de Ferreira, teria algumas para dar. Poucas, ainda assim. Não é o seu estilo.

Um dos problemas de Vítor, se catalogarmos a sua sobriedade como um problema, está na imagem: «Não tenho tatuagens, nunca tive alcunhas, não tenho o cabelo pintado, etc. Sei que há jogadores que vivem da imagem, mas eu não». Usa chuteiras coloridas de quando em vez e fica-se por aí.

É o Vítor, apenas isso. O Vítor do Paços. Transfigura-se em campo, enche o relvado, brilha com intensidade. Só agora? O médio evita pensar no tempo perdido nos escalões secundários. «Sempre acreditei muito em mim e sei que podia ter chegado mais cedo à Liga, mas infelizmente nunca se proporcionou.»

Uma carreira à volta de Penafiel

Vítor Emanuel Cruz da Silva nasceu em Penafiel. Cresceu em Penafiel, jogou em Penafiel. Se Carlos Carneiro (ex-colega de equipa) não o tivesse resgatado para o Paços de Ferreira, poderia muito bem estar onde? Em Penafiel.

«Ninguém sabe o futuro, mas a verdade é que o único interesse real de um clube da Liga foi o Paços em 2010, quando o Carlos Carneiro entrou como diretor desportivo. Nessa altura não foi possível, mas vim no ano seguinte. Acaba por ser uma realidade: se não fosse o Paços, se calhar ainda estava no Penafiel», admite, ao Maisfutebol.

A longa estadia no norte do país acaba por marcar a carreira de Vítor. Quem analisa o seu currículo, acredita que o jogador tem uma forte ligação aos seus e, por isso mesmo, não gosta de abandonar a zona de conforto.

«Não é bem assim. Em circunstâncias iguais, claro que prefiro ficar perto de casa, mas não diria que não a uma boa proposta por ser longe. Estive um ano no União da Madeira, um ano em que tive de me adaptar a outra realidade, a crescer como homem, porque até então tinha estado junto da família. Havia interesse em continuar, mas acabei por regressar a Penafiel na época seguinte».

Penafiel e Vitor. Vitor e Penafiel. «O futebol é uma paixão que tenho desde criança. Comecei aos 7 anos e fiz toda a formação no Penafiel, exceto um ano que estive no Paredes. Nunca trabalhei mas também nunca larguei os estudos, até assinar o meu primeiro contrato profissional, aos 18 anos.»

«Como sénior, fui cedido pelo Penafiel ao Lousada e ao Paredes (ambos da II Divisão B). Em 2007, saí para o U. Madeira mas voltei no ano seguinte. E fiquei no Penafiel até 2011, quando chegou a possibilidade de jogar no Paços, na Liga», resume o médio ofensivo.

Virou castor em 2011. Na segunda época, finalmente, o reconhecimento inequívoco. É craque. Sem tatuagens, brincos ou alcunhas. É Vítor, apenas.