Chamava-se José Ely de Miranda, mas foi preciso o seu falecimento para que muitos dos que o admiravam à distância tomassem conhecimento desse facto singelo. Desaparecido aos 82 anos, vítima de insuficiência respiratória, Zito foi o 16º elemento da seleção brasileira campeã em 1958 a pôr o Brasil de luto. Resistem seis desses 22 e, do onze titular na final com a Suécia, restam apenas Zagallo e Pelé. O «rei» homenageou assim o companheiro desaparecido, postando esta foto na sua conta oficial de Twitter:
 


Não é difícil localizar a foto no espaço e no tempo: refere-se ao verão de 1958, com Zito e um jovem Pelé, então com apenas 17 anos, a passearem numa rua da Suécia, entre jogos do Campeonato do Mundo que o Brasil viria a vencer de forma categórica. Tal como os consagrados Pelé e Garrincha, Zito ganhou a titularidade com a competição a decorrer, acabando por tornar-se peça indispensável ao sucesso dos homens comandados por Vicente Feola.

Oito anos mais velho do que Pelé, Zito, um médio de grande rigor e leitura de jogo, foi um dos responsáveis pela sua explosão no Mundial, capitalizando o ascendente moral que tnha sobre o jovem prodígio, por força do contacto diário que mantinha com ele no Santos. A sua alcunha - o «Gerente» - era um indício desse estatuto privilegiado, que o autorizava a levantar a voz perante companheiros tecnicamente mais dotados.

Antes dos fenómenos Pelé e Garrincha se darem a conhecer ao mundo, nesse verão de 1958, a estrela da seleção brasileira era Didi, um criativo de técnica privilegiada, que rumaria ao Real Madrid em 1959. Mas Zito, mais defensivo, era o ponto de equilíbrio e de bom senso, numa equipa cujo talento da linha avançada – Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo – ameaçava pôr em causa o rigor. Zito encarregava-se de fazer a ligação com o setor defensivo.

«Tivemos tantos momentos memoráveis juntos (...) Ele foi uma figura paterna para mim, quando entrei pela primeira vez para o Santos e, ao longo dos anos, tornou-se um grande mentor e um ótimo amigo», acrescentou Pelé, num elogio secundado por várias outras figuras do futebol brasileiro.

Porque Zito, que conquistou todas as glórias como jogador (além de dois Mundiais de seleções, duas intercontinentais e duas Libertadores, com o Santos), e até marcou, de cabeça, o segundo golo do Brasil na final do Mundial 1962 diante da Checoslováquia (3-1) numa das suas raras incursões à área,



continuou a desempenhar papel de mentor e guia espiritual uma vez penduradas as chuteiras, em 1967. Convidado pelo Santos para assumir a coordenação das camadas jovens, esteve na origem do aparecimento de craques como Neymar, Robinho e Diego, entre  muitos outros.

O seu papel formador, de referência técica e moral foi repetidas vezes lembrado nesta segunda-feira, Entre esses tributos, claro, merecem destaque as palavras de Neymar, divulgadas na sua conta de Instagram, nesta segunda-feira. O homem do momento no futebol brasileiro, ainda na ressaca da grande noite que viveu diante do Peru, para a Copa América, usou também as suas contas nas redes sociais para um tributo emocionado:
 
O mesmo fez Jonas, avançado do Benfica, que se cruzou com Zito em 2006/07, com 22 anos, recém-chegado ao Santos, em proveniência do Guarani:
 
Mas poucas histórias ilustram melhor a dimensão humana do «Gerente» como esta, partilhada pelo jornalista Roberto Dias, da «Folha de São Paulo»: nas vésperas da daísa de Robinho para o Real Madrid, Zito chamou a estrela da equipa e obrigou-a a cumprimentar o ex-jogador Dino Sani, campeão do Mundo em 1958, e por esses diasum respeitável e anónimo septuagenário. «Quem é?», perguntou Robinho, de forma menos respeitadora do que Zito julgou adequada. A resposta foi implacável, e não custa adivinhar que tenha sido proferida no mesmo tom que José Ely de Miranda usava para dar broncas a Pelé: «É uma coisa que não sei se você será algum dia: um campeão do Mundo». O tempo deu-lhe razão.