«Papel?! Qual papel?!». O conhecido «sketch» humorístico dos Gato Fedorento podia perfeitamente ser interpretado por Amid Taheri. Este jovem afegão de 18 anos não falha um treino da equipa de juniores do Sport Clube Sanjoanense, mas ao sábado fica na bancada. Não por falta de qualidade ou capricho do treinador, mas devido a um problema burocrático.

«Ele apareceu a treinar aqui em Outubro. Percebi logo que tinha qualidade, e começámos a tratar da inscrição. Fomos à Associação de Futebol de Lisboa saber o que era preciso. Tínhamos o passaporte, e até a carta do clube ucraniano, pois onde ele viveu lá dos cinco aos dezassete anos, mas depois pediram-nos o contrato de trabalho do pai. É inadmissível. Se a família está cá como refugiada, não pode trabalhar», explicou o treinador Rui Laranjeira ao Maisfutebol.

Esta não é uma situação nova para o emblema de São João da Talha, que é regularmente procurado por jovens do Centro de Refugiados da vizinha freguesia da Bobadela, mas depois encontra barreiras no processo de inscrição. «Estes casos devem ser analisados pontualmente. Devia facilitar-se mais», defende o presidente do clube, Vítor Martins.

Sonhos recuperados, a pensar nas quinas

As transferências internacionais de menores são analisadas por uma sub-comissão criada pela FIFA. Só esta pode abrir excepções aos requisitos, mas a situação de Amid altera-se na próxima época. Como chegou recentemente à maioridade, o jovem afegão já não precisará de contrato de trabalho do pai para ser inscrito. Os sonhos recuperam-se. «Tenho muitos», diz. «A inscrição muda tudo. Já posso jogar no Sporting, no Benfica ou por Portugal. Quando vim para cá disseram-me que era um país de futebol. Agora vejo que é verdade», diz o esquerdino, que joga preferencialmente no meio-campo, e cujo ídolo é Zidane.

A vida na Ucrânia não foi fácil - «não gostam muito de estrangeiros -, mas em Portugal garante ter sido «muito bem recebido». E por isso até já fala na Selecção, pois é aí que vê uma oportunidade de retribuir o carinho recebido. «Portugal é um abrigo para mim. É muito importante, e este clube também.»

Do Afeganistão sobram recordações muito vagas, alimentadas apenas pelas histórias dos pais. «Não me lembro de quase nada, pois tinha apenas cinco anos quando saí. Lembro-me da guerra. Pesquiso na internet e fala-se de guerra. Os meus pais contam-me como era antigamente, mas agora é complicado voltar», relata Amid ao nosso jornal.