A rivalidade entre F.C. Porto e Sporting não é tão grande como a que existe entre qualquer um destes dois contendores e o Benfica.  Mesmo assim, as últimas duas décadas mostraram alguns momentos de tensão entre protagonistas dos dois emblemas.

A eleição de Bruno de Carvalho para a presidência do Sporting criou uma nova fase nas relações entre leões e dragões.  Em junho passado, o Sporting cortou relações institucionais com o F.C. Porto, na sequência de uma discussão entre Bruno de Carvalho e Adelino Caldeira, «vice» dos dragões, numa final da Taça de Portugal em andebol.  

Posteriormente, o novo presidente do Sporting criticou a forma como o F.C. Porto transferiu Moutinho para o Monaco.  Em setembro, a transferência dos jovens guineenses Moreto Cassamá e Idrisa Sambú para o F.C. Porto foi outro foco de tensão.

«Não posso, ao fim de renovar com 19 jogadores, ter dois miúdos que destroem todo o trabalho que fizemos. No momento em que me disseram que ou eu cedia às condições, ou eles iam para o FC Porto, ofereci-me também para, se fosse necessário, eu levá-los no meu carro e deixá-los ao pé do estádio», afirmou o presidente leonino, em entrevista ao «Jornal de Negócios».  Os dois jovens são representados por Catió Baldé, o mesmo agente de Bruma, que protagonizou a novela mais mediática do Verão futebolístico. 

A «maçã podre» de Alvalade virou referência do Dragão

João Moutinho foi a grande transferência entre dragões e leões nas últimas duas décadas.  Neste caso, a rota foi no sentido Alvalade-Dragão. Capitão do Sporting com apenas 20 anos, em 2007/08, foi durante épocas uma das referências do jogo leonino.  Mas no verão de 2010, após uma temporada frustrante para o Sporting, trocou Alvalade pelo Dragão, numa transferência-sensação. 

Sem disfarçar o incómodo pela perda do capitão para um dos principais rivais, o então presidente do Sporting, José Eduardo Bettencourt, rotulou o carismático jogador de «maçã podre», numa definição que acabou por marcar negativamente a presidência de Bettencourt.

«Não podíamos continuar cá com uma maçã podre, por isso não podíamos tomar outra decisão para não correr o risco de contaminar o plantel», disse Bettencourt, sobre a saída de João Moutinho para o F. C. Porto, por 11 milhões de euros.  «João Moutinho nunca perdoou a quem não o deixou sair em 2008, ainda que em condições pouco vantajosas para o Sporting, apesar da significativa melhoria de condições contratuais efectuada depois. Desde 2008 recebemos zero propostas, zero euros», acrescentou o na altura líder dos leões.

O resto da história é conhecido: Moutinho impôs-se no Dragão, ajudou o F.C. Porto a ganhar títulos e saltou para o Monaco, neste verão, em transferência na ordem dos 25 milhões de euros.  Com esta operação, que ainda rendeu uma percentagem aos leões, a tensão Sporting-F.C. Porto recrudesceu, com Bruno Carvalho, em fase de arranque como presidente dos leões, a acusar os dragões de terem feito «um mau negócio». 

«Tivemos o azar do presidente Pinto da Costa não estar a conseguir fazer os negócios que tem feito. Ele sempre disse que os jogadores eram vendidos pela cláusula, e sabemos que a [transferência] do João Moutinho era de 40 milhões, infelizmente não foi assim, foi por 25 milhões»

Ao seu estilo, Pinto da Costa comentou, recuperando a tirada de Bettencourt em 2010: «O Sporting deve estar muito satisfeito com o valor da venda do Moutinho. Venderam-no por 11 milhões de euros, consideraram-no uma maçã podre e agora conseguimos que essa maçã podre conseguisse ser vendida por 25 milhões. O Sporting deve dar graças a Deus por termos feito este negócio. A maçã podre transformou-se numa maçã bastante apetecível». 

Na mesma altura, o líder portista comentou que não procuraria contratar qualquer jogador do plantel do Sporting e que apenas Rui Patrício lhe poderia interessar: «Não tenho qualquer interesse em nenhum jogador do Sporting. O jogador que eu penso que tem grande capacidade e poderia jogar no F. C. Porto é o Rui Patrício, mas que não nos interessa, pois temos os dois melhores guarda-redes que estão em Portugal». 

A camisola rasgada de Rui Jorge em Alvalade

O momento de maior tensão em duelos para o campeonato entre dragões e leões nos últimos 20 anos não aconteceu num jogo com o F.C. Porto como visitado, mas sim em Alvalade.  Na memória de todos ainda estará o momento em que José Eduardo Bettencourt (que mais tarde seria presidente do Sporting e na altura era administrador-executivo da SAD) exibiu na conferência de Imprensa após o jogo a camisola rasgada de Rui Jorge. 

Uma semana depois da morte de Feher, o clima de paz entre grandes durou pouco tempo. A dois pontos dos dragões, a dez jornadas do fim, o Sporting, então de Fernando Santos, buscava o triunfo para ultrapassar o dragão, então de José Mourinho.  O agora técnico do Chelsea, após o empate a 1-1 num jogo «quentinho» terá rasgado a camisola de Rui Jorge, que estava no balneário do F.C. Porto após ter sido oferecia pelo roupeiro Paulinho, a fim de trocá-la pela de Vítor Baía. 

Superioridade portista

Olhando para os últimos 20 anos, a tendência apontou para um F.C. Porto acima na tabela, sendo que por vezes estava até bem acima dos leões, um fator que, nalguns casos, minimizou o clima de tensão que costuma rodear um clássico.  F.C. Porto e Sporting já disputaram 79 jogos para o campeonato tendo os dragões na condição de visitados.  Nessas 79 ocasiões, o F.C. Porto leva clara vantagem, com 42 triunfos. Os leões venceram por 13 vezes e houve 24 empates.  A tendência de triunfo dos dragões é, por isso, superior a 50% (53%), mas se olharmos para as duas últimas décadas, essa percentagem sobe ligeiramente, para os 55%. 

Nos últimos 20 encontros entre F.C. Porto e Sporting para o campeonato na invicta (primeiro nas Antas e depois no Dragão), os azuis e brancos venceram 11, houve sete empates e os leões só por duas vezes conseguiram ganhar: a 15 de março de 199 (1-2) e a 17 de março de 2007 (0-1). Nas últimas duas décadas, os clássicos F.C. Porto-Sporting têm tido muitos golos (38 para os dragões, 18 para os leões) e só por duas vezes terminaram em 0-0 (1992/93 e 2008/2009). 

Apesar dos clássicos serem, geralmente, equilibrados (independentemente do momento e da classificação das equipas), a verdade é que, nos últimos 20 anos, já houve vitórias expressivas, com diferenças de três golos, a cheirar a goleada, e todas a favor do F.C. Porto: 5-2 (09/10), 4-1 (03/04), 3-0 (04/05, 99/00).

No triunfo por 4-1, a 2 de setembro de 2003, o F.C. Porto vivia em plena era José Mourinho. Os dragões, que haviam vencido a Taça UEFA meses antes, estavam a começar a época gloriosa que os levou à conquista do segundo título europeu da sua história, em Gelsenkirchen.  Mas a receção ao Sporting não aconteceu no melhor momento dessa caminhada. Dias antes, no final de agosto, os dragões haviam perdido a Supertaça Europeia, no Monaco, para o AC Milan (então com Rui Costa), por 1-0. Mourinho, momentos após a derrota com os «rossoneri», deixara o aviso: «O próximo vai pagar a fatura». 

Ora, o «próximo» era o Sporting. E nem o facto de ser um clássico impediu a profecia de Mourinho de se ter concretizado: o F.C. Porto cilindrou os leões, por 4-1, ainda nas Antas, com golos de Derlei, Jankauskas, Maniche e McCarthy. O golo de honra dos leões foi de Rochemback.

Na época seguinte, a história repetiu-se, com pequenas «nuances»: não foi 4-1, mas foi 3-0. A 8 de novembro de 2004, McCarthy, Diego e Carlos Alberto deram a vitória ao F.C. Porto então de Victor Fernandez.

E, tal como na época anterior, o triunfo gordo sobre o leão serviu de bálsamo para o F.C. Porto: o pós-Mourinho estava a ser particularmente complicado e Victor Fernandez rendera Del Neri três semanas antes e tardava em impor as suas ideias no Dragão.

As vitórias do leão

Mas também houve exceções a esta regra de domínio portista frente ao Sporting. Nas últimas duas décadas, os leões venceram por duas vezes na casa do F.C. Porto para o campeonato (uma vez nas Antas, em 1997, outra no Dragão,em 2007).

A 15 de março de 1997, o Sporting de Octávio Machado vencia, surpreentemente, nas Antas, por 1-2.  Os leões estava a ter uma época complicada: já haviam caído da Taça UEFA, frente ao Metz, e as derrotas em Braga e Setúbal tinham tirado esperanças reais para o título.  Robert Waseige, um técnico belga com muito pouco carisma (alguns chamavam-lhe «chefe de repartição de finanças...»), tinha tido passagem infeliz por Alvalade, mas Octávio estava a dar um novo fôlego à equipa.  Naquela que terá sido a melhor exibição do Sporting na época, os leões chegaram às Antas, corria a jornada 23. Jogando contra a história (não venciam para o campeonato na casa do F.C. Porto há 20 anos), venceram por 1-2. Apesar dos dez pontos que separavam as duas equipas, em disputa estavam os dois primeiros classificados. O Sporting conseguiu, no entanto, adiar a «entrega» do título aos dragões, com os golos de Beto e Pedro Barbosa. Barroso ainda reduziu de livre, mas o triunfo já não fugiu aos leões.

Dez anos depois, a 17 de março de 2007, o Sporting voltava a vencer no estádio do F.C. Porto para o campeonato. O triunfo leonino foi inesperado, se atendermos ao facto de que o Sporting estava a cinco pontos do Benfica e a nove do F.C. Porto. Corria a jornada 22. O título parecia, na prática, já arredado dos leões, mas a equipa então treinada por Paulo Bento mostrava bom futebol. Mesmo sem Liedson, a surpresa aconteceu, com um golo de Rodrigo Tello, de livre: 0-1.  O feito leonino no Dragão lançou o Sporting para uma excelente ponta final de campeonato: nas últimas dez jornadas, nove vitórias e um empate (na Luz).