Não será o caso de uma moda que passou, mas conhecer os cantos à casa pode não ser um dado de importância desmedida na hora de contratar um treinador em Portugal. A recente aposta do Boavista em Erwin Sánchez fez lembrar esse ponto e colocar a equipa do Bessa como um caso à parte em Portugal: a mística conta, ali.

Antes de Sánchez, que já treinara a equipa axadrezada em 2003/04, o primeiro projeto da carreira, o Boavista tinha Petit. E esse dado já fazia do clube do Bessa um emblema especial na Liga: o único a apostar numa antiga glória para liderar a partir do banco.

É verdade, contudo, que há mais um caso de um ex-jogador que lidera um clube da Liga. Nada mais, nada menos que Jorge Jesus no Sporting. Contudo, é, por demais, exagerado colocar o técnico entre as antigas glórias leoninas. Jesus representou o Sporting na época 1975/76, tendo realizado 12 jogos e marcado um golo.

Diferente é o caso do boliviano. Sánchez chegou, pela primeira vez, ao Boavista em 1992/93, depois de se desvincular do Benfica. Fez cinco épocas consecutivas no Bessa, com o Mundial dos EUA pelo meio, destacando-se pelo potente remate e mestria a organizar o jogo. Voltou ao Benfica pela mão de Manuel José, em 1997/98, mas na época seguinte estava de volta ao Bessa, onde jogou até 2003.

Foi campeão, depois de já ter ganho a Taça, e esteve no início da caminhada até às meias-finais da Taça UEFA em 2003, além de ter representado o clube na Liga dos Campeões, nos anos de ouro do xadrez na Europa.

Quem foram os últimos nos três grandes?

Descontando, então, Jorge Jesus, pode dizer-se que a última antiga glória do Sporting a treinar o clube foi Ricardo Sá Pinto (2011/12 e início da época seguinte), agora no Belenenses. Antes, e num passado recente, destacam-se os casos de Paulo Bento (2005 a 2010), Manuel Fernandes (2000/01) ou Augusto Inácio (1999/00), obreiro do penúltimo campeonato ganho pela equipa de Alvalade.

Na Luz, o último ex-jogador a orientar a equipa foi Toni, entre 2000 e 2002, já na sua terceira passagem pelo banco encarnado. De lá para cá, o caso mais parecido foi Fernando Santos, embora o atual selecionador nacional não tenha passado dos juniores encarnados. Na década de 90 registou-se ainda um período de Artur Jorge, que, embora como técnico seja mais ligado ao FC Porto, como jogador brilhou na Luz; além de Manuel José que fez…um jogo de águia ao peito.


Toni, o último ex-jogador do Benfica que treinou o clube

Tanto no Benfica como no Sporting descontamos, naturalmente, casos excecionais como as presenças de Oceano ou Fernando Chalana no passado recente como treinadores interinos.

Quanto ao FC Porto, para encerrar o périplo pelos três grandes, o último ex-jogador a treinar o clube foi Otávio Machado em 2000/01. A experiência não correu bem (bem diferente de António Oliveira, bicampeão em 97 e 98, por exemplo) e, de lá para cá, nunca mais o banco portista foi liderado por um antigo jogador do clube.

Gil Vicente e Oliveirense são exceções na II Liga

Pode pensar-se que a falta de aposta em ex-jogadores para treinar o clube é uma situação específica da Liga portuguesa, mas basta espreitar, por exemplo, o cenário da Liga de Honra para perceber que pouco muda.

Descontando os treinadores das equipas B, dadas as características especiais das mesmas (Hélder treina o Benfica B e Abel o Sp. Braga B), sobram outros dois casos.

O Gil Vicente entregou a equipa a Nandinho, que brilhou na terra do Galo entre 2002 e 2007. A Oliveirense apostou em Bruno Sousa, mas não no início da época. O antigo jogador da casa começou como adjunto mas substituiu Artur Marques, face aos maus resultados.

Cenário inverso aconteceu no Varzim. No início da época foi Quim Berto, antigo jogador do clube, a orientar a equipa, mas atualmente é Nuno Capucho o timoneiro.

Espanha é a Liga que mais aproveita ex-glórias nas Big-5

Para completar esta análise, olhamos ainda para o panorama atual nas cinco principais Ligas europeias, as chamadas «Big-5». Não é difícil perceber que é na Liga espanhola que estão, de longe, os clubes que dão mais primazia a antigos jogadores na hora de escolher o técnico.

Em 20 clubes da I Liga, nove são orientados por uma ex-figura enquanto jogador, havendo ainda a assinalar o caso do Real Madrid que tem Rafa Benítez no banco, um ex-jogador da sua…equipa B. O último ex-merengue a treinar o clube foi Bernd Schuster em 2007/08.

Quem são os nove ex-jogadores que treinam clubes em Espanha? Tome lá nota:
-Barcelona: Luís Enrique
-Atl. Madrid: Diego Simeone
-Celta de Vigo: Eduardo Berizzo
-Deportivo: Víctor Sanchez
-Atl. Bilbao: Ernesto Valverde
-Betis Sevilha: Pepe Mel
-Espanhol: Sergio Gonzalez
-Rayo Vallecano: Paco Jémez
-Sp. Gijón: Abelardo


Luís Enrique é caso de sucesso

Em sentido inverso, em Itália a aposta é reduzidíssima. A Sampdória é a exceção à regra e uma espécie de Boavista na Série A: já vai no segundo treinador da época, ambos ex-jogadores do clube. Vincenzo Montella substituiu Walter Zenga.

Na Bundesliga registam-se, atualmente, três casos, sendo que, curiosamente, apenas um é alemão. Jurgen Kramny assumiu, recentemente, o lanterna vermelha Estugarda, onde começou a carreira, no início dos anos 90.

Os outros casos são os do Hertha de Berlim, onde o húngaro Pal Dardai é técnico desde a temporada passada depois de 15 épocas a representar em campo o emblema da capital. No Werder Bremen, o ucraniano Viktor Skrypnyk assumiu a equipa onde jogou entre 1996 e 2004.

As situações deste género aumentam em Ingaterra e França, por fim. Na Premier League há cinco: Alan Pardew no Crystal Palace; Slaven Bilic no West Ham; Garry Monk no Swansea; Sam Allardyce no Sunderland; e Eddie Howe no recém-promovido Bournemouth.

Em França são seis. Sylvain Ripoli treina o Lorient, Michel der Zakarian o Nantes, Oliver Guégan o Reims, Dominique Arribage o Toulose e Mohamed Bradja o Troyes. O último caso está por um fio: Hubert Fournier, no Lyon.

A época abaixo das expetativas está a fazer com que os adeptos percam a paciência com o técnico. Mas não com a aposta em antigas figuras do clube. Este sábado, o brasileiro Juninho Pernambucano marcou presença no jogo com o Angers, no Estádio Gerland, e fartou-se de ouvir um pedido, após novo desaire: venha treinar o clube.

As antigas glórias podem estar a perder espaço no banco dos clubes que, um dia, foram seus. Mas, como se prova, não são esquecidas…