14 de fevereiro de 2019, Maracanã, seis dias depois do incêndio no centro de treinos do Flamengo que levou dez meninos e deixou outros três feridos, um dos quais continua internado. O Fla-Flu da meia-final da Taça Guanabara honrou o momento, teve as duas equipas unidas, homenagens nas bancadas, balões brancos a voar. E esta imagem, os rostos dos Dez da Gávea. Agora é tempo de fazer perguntas e procurar respostas para a tragédia do Ninho do Urubu. Mas é também por isso que faz sempre sentido voltar a este momento. À memória deles.

Arthur Vinicius, Athila Paixão, Bernardo Pisetta, Christian Esmério, Gedson Santos, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Rykelmo Viana, Samuel Rosa, Vitor Isaías. Tinham 14, 15 e 16 anos.

Nesta e em tantas outras tragédias, o que se segue às homenagens é muitas vezes tudo menos bonito – também noutra tragédia que marca o ano de 2019, tão jovem e já tão pesado, a de Emiliano Sala. No caso da tragédia do ninho do Urubu há muito por perceber e responsabilidades para apurar, do clube à fiscalização das autoridades. E levar as questões até ao fim é a melhor homenagem que se pode fazer aos 10 da Gávea e às suas famílias.

O novo presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, falou pela primeira vez em conferência de imprensa sobre o que aconteceu neste domingo, dezasseis dias depois. Antes, o dirigente tinha apenas assumido que esta era a maior tragédia em 123 anos de história do clube. Agora, quando questionado sobre a responsabilidade do clube falou em «fatalidade» e deu algumas respostas sobre as questões levantadas.

No que diz respeito à investigação, há muito por esclarecer antes de mais sobre as causas e as condições em que aconteceu o incêndio que naquela madrugada de 8 de fevereiro fez do contentor no centro de treinos do Flamengo onde dormiam os jovens um inferno. A pista mais consistente aponta para que tenha começado no ar condicionado, depois de um sobreaquecimento.

Depois há todas as condições em que funcionava o local onde viviam 26 atletas do Flamengo, jogadores até aos sub-17. Logo depois da tragédia as autoridades do Rio disseram que o espaço não estava licenciado para alojamento, mas referenciado como parque de estacionamento. Falaram também em várias multas que já tinham sido aplicadas ao clube.

Landim, que assumiu a presidência do clube em dezembro, diz que não tinha conhecimento dessas multas e explicou o longo silêncio do clube precisamente com a necessidade de a nova direção se informar sobre o processo. «A última multa feita pela prefeitura foi no dia 12 de dezembro do ano passado. Nenhuma multa chegou ao nosso conhecimento. Ao longo do tempo, foram faladas de 31 multas, e a gente teve que procurar. A gente conseguiu identificar 23 multas. Dessas 23, 12 delas foram aplicadas e recebidas pelo clube após o acidente. São multas retroativas, mas foram aplicadas depois do acidente, em 11 de fevereiro», afirmou.

Não houve vistorias ao espaço que servia de alojamento aos jogadores, de acordo com os bombeiros por não ter sido comunicada a sua existência. Neste caso, o argumento do dirigente do Fla é que as obras foram mais rápidas que o licenciamento. «O Flamengo teve, no passado, alvará para utilização do Ninho do Urubu com módulos iguais àqueles que estavam ali. Foi aprovado em 2012 pela prefeitura módulos habitacionais como aqueles, que já existiam desde 2010. As licenças foram para as novas instalações», disse: «Quando o Flamengo foi fazer as melhorias nas instalações, pediu a autorização ao Corpo de Bombeiros. Verificamos que isso foi feito em meados de 2017. Quando foi levado para os bombeiros, eles pediram que fosse feito o licenciamento do primeiro centro de treinamentos, o CT 1, que existia naquele momento. Não existia o CT 2, que começou a ser construído em 2017. Todas aquelas autuações foram em referência ao CT 1. A gente tem registo de diversas idas do Corpo de Bombeiros no CT 1, fazendo uma série de exigências que foram atendidas. Até que, na última vez que os Bombeiros foram lá, viram que já existia o CT 2. O licenciamento se estendeu por tanto tempo, que quando chegou a licença do CT 1 já existia o CT 2. Corremos depois do acidente para sanar todas as pendências e já protocolamos o pedido de licença para o CT 1 e CT 2, o projeto total de instalações.»

Além da investigação, está em curso o processo de indemnização às famílias das vítimas. E também não será linear. O Flamengo recusou a proposta do Ministério Público brasileiro para um acordo coletivo e quer negociar indemnizações individuais. Na quinta-feira passada a reunião entre responsáveis do clube e as famílias das vítimas terminou sem acordo. A proposta do Ministério Público previa o pagamento de 2 milhões de reais (cerca de 470 mi euros) por vítima e ainda uma pensão mensal de 10 mil reais por 30 anos. De acordo com as famílias, citadas pela Folha de São Paulo, o clube propôs 300 a 400 mil reais, mais um salário mensal por 10 anos. Na conferência de domingo, o clube argumentou que está a propor valores acima da «jurisprudência» nestes casos, embora sem especificar de que casos anteriores fala exactamente.

No meio disto há o plano desportivo. Depois da tragédia as autoridades proibiram a estadia de menores no centro de treinos do Flamengo, e as equipas jovens ainda não voltaram ao trabalho. A equipa principal treina lá, na Gávea, mas também não ficou imune a tudo o que se passou. Depois da meia-final da Taça Guanabara, que perdeu, o Flamengo voltou a jogar neste domingo para a primeira jornada da Taça Rio, segunda volta do Carioca. Venceu o Americano por 4-1 e no final o treinador Abel Braga admite que a equipa estava abalada. «Devido ao que aconteceu… isso mexe», afirmou, defendendo também o clube: «Poderia ter acontecido em outro lugar. O que se fala é implacável. O Flamengo não deixou de ser modelo. Isso mina um pouco a energia. Não tenha dúvida.»

No meio da crueza dos números, das acusações e dos ressentimentos, vale por isso a pena voltar àquele momento genuíno da homenagem, para lembrar o essencial. 

(Artigo originalmente publicado às 23:51 de 25-02-2019)