O primeiro diabo que conheci foi o da bíblia, aquele que nos atormenta constantemente e que surge logo nos primeiros dias de catequese. Na nossa sociedade é impossível não saber quem ele é. Depois vieram os diabos dos filmes, dos livros e aquele que aparece a correr que nem um louco no «Tour».
Só que, afinal, há outro diabo. E não sabe bater em árbitros. Apesar de conseguir fintar 500 polícias e «stewards» e invadir o relvado do Estádio da Luz sem ninguém perceber. Talvez embevecido pelo feito, quando chegou perto de José Ramalho, optou por uma leve carícia, que nem cachaço foi.
Foi um acto, digamos que, peculiar. Algo inusitado no futebol português. Confesso que não sou frequentador das bancadas do Estádio da Luz (aliás, de nenhuma, porque a profissão remete-nos para outros locais), mas assim de longe o único barbudo arrojado que conhecia era o «Barbas» da Caparica. Também benfiquista ferrenho, de certeza alguém que não deixa de fazer a sua criticazinha à equipa de arbitragem, mas não lhe vejo capacidade para enganar tanta gente em tão pouco tempo.
Pois bem, este «diabo» encarnado que se deu a conhecer no passado fim-de-semana, em pleno Benfica-Porto, não passa de uma pessoa pacata, que até vai à missa. Como qualquer «diabo» que se preze, vive muito perto do inimigo, em Gaia. Talvez por isso tanto ódio mitigado...
Carlos «diabo» Santos já não se livra de uma multa e até corre o risco de não voltar a ver o seu Benfica no Estádio da Luz. Num ápice, aquele folclore de vestes encarnadas, com barrete de cornichos, bandeira a tiracolo e cachecol a rigor, transformou-se num drama pessoal vertido em relato de crime com espaço garantido em qualquer tablóide.
O «diabo» que ia tramando o seu clube (não fosse aquele afagozito) é, afinal, um vendedor e distribuidor de máquinas de tabaco - convenhamos que a profissão também está à altura do epíteto. Arrependido dos seus actos pecaminosos, já confessou a vertente católica ao admitir que vai à missa «todos os domingos» a Mafamude. Para quem não conhece, o pároco dessa freguesia de Gaia é Jorge Duarte, um fervoroso adepto do F.C. Porto, que tradicionalmente viaja com a equipa e até benzeu recentemente o novo pavilhão do clube. A ironia não termina.
«Carlos do Tabaco» já não se livra da fama e arrisca-se a continuar deixar crescer a barba, que prometeu só cortar quando o Benfica voltar a ser campeão... Desconfio que até Ricardo Costa ficou com uma certa «sympaty for the devil».
«Futebolfilia» é um espaço de opinião da autoria de Filipe Caetano, jornalista do IOL, que escreve aqui todas as quartas-feiras