[artigo publicado originalmente a 12/09/2011]

Eram os quartos-de-final da Taça dos Campeões Europeus 1965/66. O «poderoso» Benfica recebia o Manchester United. A Luz vestia-se de gala e tornava a ser um inferno para o adversário, como provam as palavras de George Best, numa autobiografia: «Os adeptos eram fanáticos. Comparada com o barulho que faziam, uma final da Taça de Inglaterra em Wembley parecia quase enfadonha. »

O 3-2 de Old Trafford alimentava a esperança encarnada. No entanto, verdadeiros «diabos vermelhos» foram os ingleses, com Best como protagonista da primeira e, até à data mais pesada, derrota do Benfica em casa nas provas da UEFA: 1-5.

Paddy Crerand esteve lá. Bobby Charlton, Denis Law e George Best tinham no escocês uma âncora. Crerand apreciava o talento da «United Trinity» um pouco mais recuado, mas quando o Maisfutebol lhe pede recordações de Lisboa, Crerand atira em seco: «Best, Georgie Best.»

O norte-irlandês fez os dois primeiros golos na Luz. «Nós não tínhamos tanta experiência, como equipa jogámos bem, mas Best foi especial», lembra Crerand, agora comentador na televisão do clube, em declarações ao Maisfutebol.

«Aquele Benfica era incrível»

«O Benfica era uma equipa terrível e temida e ninguém esperava que ganhássemos em Lisboa, ainda para mais por 5-1. Vencemos 3-2 em Old Trafford e aquele segundo golo do Benfica ia dar-nos problemas», lembra o escocês.

Os encarnados tinham quatro finais da Taça dos Campeões Europeus, duas conquistadas, e Bela Guttmann de volta ao banco. Naqueles anos 60, eram «uma equipa incrível» perante um United que ainda crescia pela mão de Matt Busby.

«Sabíamos que o Benfica nunca tinha perdido em casa para uma competição europeia, por isso tínhamos de ser especiais nessa noite», recorda Crerand.

«Eles tinham Eusébio, que era grandioso, e ainda é, porque já voltou aqui muitas vezes e continua a ser impecável», atira o escocês, que perguntou de seguida: «Como se chamava o número 10 do Benfica, que jogava no meio-campo? Já morreu, não é? Coluna? Esse mesmo, Mário Coluna. Ah, está vivo? Que bom saber isso, adoraria vê-los de novo, esse era o outro grande jogador do Benfica.»

«Antes do jogo, pensou-se: "Pronto, acabou"»

E no balneário do United, como se viveram os momentos que antecederam o jogo? «Olhe, até há uma história curiosa. Estávamos a brincar com a bola, no balneário, e ela veio ter comigo. Dei um pontapé e parti tudo à volta. Todos olharam para mim, porque há pessoas supersticiosas, e pensaram que, pronto, tinha-se acabado, aquilo era mau prenúncio.»

Mas havia Best, que aos 11 minutos já colocara o Manchester Utd a vencer por 2-0. Connely fez o terceiro, Dunne reduziu com um autogolo. O próprio Crerand fez o quarto e Bobby Charlton fechava as contas no 5-1.

«No final do jogo, o Augusto [Silva] levou-nos a passear em Lisboa, ficámos umas horas fora, havia imenso respeito entre os jogadores das duas equipas. Foi um gesto bonito, nunca aconteceu antes e nunca aconteceu depois», admite o antigo internacional escocês.

Em declarações ao «Sport Europa e Benfica», livro do Maisfutebol, Augusto Silva recordou o jantar e o duelo com Best: «Os minutos passavam e ele não parava de jogar. Ninguém acertava nas pernas dele, quanto mais na bola!»

Augusto Silva ficou depois encarregue da marcação ao «red devil» norte-irlandês. «Para me motivar, pensei "comigo não passas." E então, quando chegava ao pé de mim, arrancava-lhe os pêlos das pernas, porque ele era muito cabeludo. Depois, fomos comer ao Mónaco e, apesar de não falar inglês, percebi que dizia que eu só servia para lhe puxar os pêlos, mas não tinha conseguido acertar-lhe nas pernas.»

Na pior noite europeia de toda a História, o Benfica e a antiga Luz viram nascer um mito: Best, George Best.