O aparecimento da Benfica TV na grelha de transmissões da Liga 2013/14 pode revolucionar a relação entre o futebol e o universo televisivo. Há muitas questões por responder, espaços em branco e dúvidas regulamentares.

Ricardo Costa, ex-presidente da Comissão Disciplinar da Liga, e Pedro Henriques, antigo árbitro de futebol, deixaram algumas impressões pertinentes ao Maisfutebol sobre o tema.

A pretensão do clube da Luz ainda não foi oficializada, mas o comunicado enviado à CMVM autentica sem margens para dúvidas a estratégia definida por Luís Filipe Vieira e pares. Os jogos no Estádio da Luz merecerão honras de transmissão em direto na Benfica TV. A Olivedesportos fica fora de cena. O surgimento de um canal ligado a um clube levanta uma série de dúvidas.

As imagens televisivas servem, não raras vezes, para fazer prova em matéria disciplinar. De que forma um órgão de comunicação oficial do Benfica [neste caso] assegura ou desequilibra os níveis de isenção essenciais na recolha dessa mesma prova pelas instâncias competentes [FPF e Liga]?

Lances de dúvida durante um jogo, repetições escolhidas, confusão nas bancadas, enfim, tudo o que envolve um jogo de futebol e possa desencadear discussão.

«A consideração de imagens televisivas no âmbito de procedimentos disciplinares não está dependente da sua fonte de captação», explica Ricardo Costa ao Maisfutebol.

«O que interessa é que elas, enquanto reprodução mecânica de factos, não sejam obtidas de forma ilícita e não haja dúvidas sobre a sua exatidão e veracidade».

O magistrado acrescenta que mesmo a filmagem de um jogo por parte de um clube «pode ser usada como prova». «Um bom exemplo é a utilização de quaisquer imagens nos processos sumaríssimos previstos no Regulamento Disciplinar da Liga».

Pedro Henriques é mais veemente na apreciação. «Se essa pretensão do Benfica for mesmo adiante é essencial que a FPF e a Liga possam garantir total acesso às imagens recolhidas», informa o antigo árbitro lisboeta.

«Não pode haver o risco de qualquer tipo de manipulação. O público é que ficará a perder. É essencial que se garanta não haver um tratamento desigual», adverte.

Avaliação das arbitragens em causa com a Benfica TV?

Nos moldes atuais, as imagens televisivas servem também para avaliar arbitragens. De que modo este novo paradigma pode vir a influenciar a transparência destas avaliações? Ricardo Costa explica-nos o enquadramento legal deste mote, recorrendo ao Regulamento de Arbitragem.

«A Secção Profissional do Conselho de Arbitragem pode retirar temporariamente árbitros das nomeações em caso de erros técnicos graves e estes podem ser demonstrados com recurso a meios audiovisuais sem distinção de fonte (v. art. 12º, n.º 6, do Regulamento de Arbitragem da Liga)».

Para Pedro Henriques, estas equações podem estar em risco. «Se não houver a garantia de que falo, quem me garante que o clube detentor das imagens não escolhe as mais convenientes? Em seis casos de dúvida, separa os três que lhe são favoráveis e entrega esses para análise».

Há algum mecanismo que dê à FPF/Liga acesso total às imagens?

O caso não é simples, muito pelo contrário. A complexidade do tema obriga a rever a forma processual vigente. Não é líquido, no regulamento em prática, que haja algum mecanismo que permita à FPF/Liga requererem acesso à totalidade das imagens.

«Desconheço. Se não houver esse mecanismo, podemos estar perante um problema», reconhece Pedro Henriques. «É mais um erro, mais uma guerra».

Ricardo Costa traça o desenho legislativo.

«O art. 88º do Regulamento de Arbitragem da FPF fala da possibilidade de fazer uso da gravação integral dos jogos transmitidos pelos operadores televisivos legalmente autorizados. Mas isso não parece ser uma restrição que proíba a utilização de imagens televisivas com outras fontes».