«Jorge Jesus e sua relação com o futebol brasileiro». Foi este o tema da palestra do treinador do Benfica na Global Football Management, dada precisamente no Estádio da Luz.

«Só aceitei porque estou em casa», repetiu Jesus no palco instalado num dos topos, a justificar uma viagem que foi para lá dos títulos conquistados nos treze meses ao serviço do Flamengo.

«Antes de treinar no Brasil já era apaixonado pelo futebol brasileiro. Na minha vivência como jogador tive vários colegas brasileiros, e isso contribuiu para que tivesse facilidade em treinar no Brasil. Comecei a conhecer o jogador brasileiro do ponto de vista profissional e humano. Quando fui treinar o Amora foi a primeira vez que não tive qualquer jogador brasileiro no balneário, mas no ano seguinte tive três, dos quais destaco o Jorge Baidek, impulsionador da minha ida para o Brasil», começou por dizer.

Jesus recordou as seleções brasileiras que disputaram os Mundiais de 1970 (México) e 1982 (Espanha), para dizer que foi nessa altura que aprendeu a gostar do «futebol-arte e do futebol-espetáculo».

Na apresentação que preparou com a equipa técnica, exibida num ecrã gigante que tinha atrás de si, Jesus incluiu uma fotografia ao lado de Mario Zagallo.

«Dos cinco títulos mundiais do Brasil, ele está em quatro. Nunca imaginei que seria ele a condecorar-me lá como melhor treinador», recordou o português, que nessa altura fez questão de aprofundar o conhecimento sobre a figura incontornável do futebol brasileiro.

«Quis saber melhor como era ele, e alguém me falou da criatividade… Escolhia os melhores, independentemente da posição», destacou Jesus, antes de lembrar a forma como transformou Paulo Ferreira e Fábio Coentrão em laterais de sucesso.

O treinador português recordou que o Flamengo foi o terceiro clube brasileiro a procurá-lo, depois de Vasco da Gama e Atlético de Mineiro. Fechado o acordo com o Mengão, foi importante a ajuda de um antigo “pupilo” no Benfica.

«O Júlio [César] jogou lá, é adorado pelos adeptos, e antes de eu chegar lá ele abriu-me o caminho. Sei que ele falou com os capitães, explicou como eu era além do treino. Se eles não me aceitassem, com a minha paixão e entusiasmo, e algum exagero, podíamos entrar em choque. Quando lá cheguei ninguém se admirou com os gritos. Soube depois, pelo Diego Alves e pelo Diego Ribas, que o Júlio tinha falado com ele», revelou, com o antigo guarda-redes na plateia.

Jesus sentiu que «havia sinais de que ia correr bem». «Já ia preparado para o jogador brasileiro e tive a sorte de encontrar uma equipa com grandes jogadores, o que tornou tudo mais fácil», acrescentou.

O técnico elogiou o «talento incrível, fora do normal» dos jogadores brasileiro, e fez questão de garantir que este «gosta de aprender e trabalha com paixão e alegria em tudo o que é treino».

«Aqui em Portugal havia uma frase famosa, que dizia que uma equipa que tivesse três ou mais brasileiros deixava de ser equipa e passava a ser escola de samba. É mentira! Pelo contrário. O jogador brasileiro gosta de trabalhar, de aprender, e tem gratidão pelo treinador, por quem os faz evoluir. Nunca tive jogadores a falar para mim como no Brasil», defendeu.

Algumas questões táticas tiveram uma atenção especial, tendo em conta o perfil do jogador brasileiro, mas Jesus garantiu ter encontrado uma enorme vontade de aprender.

«Tão importante quanto o talento é conhecer o jogo. Com bola e sem bola. Eles não conhecem bem os momentos importantes sem bola. Foi algo que deu muito trabalho a introduzir. Mas escutam, ouvem e pensam. Outros escutam, ouvem, mas não pensam. No final do treino chamavam-me para eu explicar porque tinha dado aquela “dura”. Eu respondia que não dava “duras”, mas eles pediam-me para explicar o que queria. Aqui na Europa isso é impossível. Acaba o treino e adeus», explicou o técnico, que começou a «fazer sentir que as vitórias coletivas geram benefícios individuais».

Perante uma plateia recheada de dirigentes que atravessaram o Atlântico para estar em Lisboa, Jesus não hesitou em defender que «no futebol brasileiro não sabem valorizar o que têm». «É do mais lindo e competitivo. Acham que a Europa é melhor, mas há muita qualidade, é um futebol muito competitivo, reforçou.

Para além do talento natural, o treinador do Benfica destacou o contexto em que crescem os jogadores brasileiros: «Hoje os miúdos vão para as escolinhas, mas não se aprende a jogar nas escolinhas. Aprende-se a jogar na rua. E na formação os jogadores brasileiros fazem 60 jogos por ano. Aqui os jogadores do Benfica, do Sporting e do FC Porto têm três ou quatro jogos difíceis por ano.»

Relativamente ao sucesso alcançado no Flamengo, Jesus não tem dúvidas de que deixou um legado. «Hoje os jogos são “de pegada”. Há posicionamento tático mas também pressão sobre o portador. Mas quem tem talento joga, com mais ou menos pressão», defendeu.

O treinador do Benfica continua a seguir o futebol brasileiro com muita atenção, e a prova disso é que, ao ser apresentado ao presidente do Fortaleza, presente no evento, soltou a seguinte resposta: «Vi o último jogo. 3-0», disse Jesus enquanto encolhia os ombros, ao mesmo tempo que sorria com a vitória do Flamengo, o clube pelo qual conquistou cinco títulos em treze meses.

«Fui condecorado como cidadão carioca, e é um dos momentos da passagem pelo Brasil que não esqueço. As duas vezes que entrei em Assembleias Parlamentares do Rio de Janeiro, entrei a ouvir o hino português. Não era o Marcelo, Presidente da República. Nunca mais vou esquecer», recordou.